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Grande Entrevista

"A recessão alerta que a procura por commodities vai desacelerar"

KARIM ABADIR, PROFESSOR EMÉRITO DO IMPERIAL COLLEGE DE LONDRES

Numa altura em que o FMI anuncia o risco de recessão económica nas principais economias do mundo, o Expansão foi ouvir o professor emérito do Imperial College de Londres para perceber o impacto desta recessão, sobretudo para os países produtores de petróleo e gás. O especialista alerta que não é o momento para investir em projectos que não tragam retorno à economia.

O professor Abadir foi recentemente convidado pela Escola de Negócios da Universidade Católica de Angola para o evento Global Economic Outlook 2023. Quais as principais conclusões deste evento?

Procurámos analisar o que está a acontecer na economia mundial e as suas repercussões para todos os países. Especialmente nas nossas vidas. Existe demasiada incerteza em relação ao futuro da taxa de câmbio, da inflação e sobre o crescimento económico. E gostávamos sobretudo de clarificar estes pontos.

Mencionou a incerteza em relação à taxa de câmbio, inflação e o crescimento da economia mundial o que está na base destas incertezas. Será somente o conflito entre a Rússia e a Ucrânia ou há outros factores a contribuir?

Eu escrevi um artigo, no verão de 2021, há mais de um ano e meio, onde dizia que a estagflação tinha começado. E as pessoas perguntaram, sobre a inflação por causa de todos os estímulos da política monetária e fiscal após a pandemia. Mas, acima disso, eu podia ver que o lado produtivo da economia estava fraco.

Está a dizer que os estímulos à economia, após a Covid-19, são como o remédio que pode levar o doente a morrer da cura?

Os resultados dos estímulos da política monetária e fiscal, se não há produtividade elevada, vão dar origem a um excesso de procura que não é satisfeita, o que vai acabar por criar o aumento da inflação. Outra consequência é que isto não vai levar ao crescimento, porque a produtividade é baixa. Eu pude ver estas duas coisas. E não tem nada a ver com a Guerra na Ucrânia.

Está a dizer que o cenário actual já estava a ganhar forma antes da Guerra na Ucrânia. Porquê?

Porque a Guerra na Ucrânia acrescentou combustível ao fogo, mas a inflação nos Estados Unidos da América [que é o motor da economia mundial] já estava a subir no II trimestre de 2021. Portanto, estamos a falar de há muito tempo atrás. Se se lembrar, neste período, a inflação já estava a subir, tanto é assim que, quando começa a Guerra na Ucrânia, a Inflação nos Estados Unidos alcança os 8%, tendo depois ultrapassado esta fasquia, podemos ver que não foi a guerra na Ucrânia a origem da inflação nos EUA.

Fora os estímulos pós-Covid num cenário de baixa produtividade, que outros factores estiveram na base do aumento da taxa de inflação nos EUA?

O problema, na verdade, estava a ser construído por um longo tempo. Porque, com taxas de juro demasiado baixas e injecções de dinheiro na economia com produtividade em baixa, era uma receita ideal para o desastre.

Explique melhor?

A Administração Trump concedeu impostos baixos para as empresas na expectativa que, com este incentivo fiscal, as empresas fossem investir mais. O problema é que as empresas só investem se encontrarem oportunidades para tal. Então, num ambiente de impostos baixos ou seja incentivos fiscais elevados as empresas, ao invés de investirem, colocaram o dinheiro no mercado de acções, inflacionaram o mercado de acções fazendo as pessoas sentirem-se mais ricas e, como resultado, estas pessoas começaram a gastar mais.

E como não havia produção, porque a Covid-19 paralisou e reduziu a produção, estava criado o ambiente favorável para a inflação disparar?

Não foi apenas um efeito da renda dos cheques, de estímulos entregues às pessoas durante a pandemia. Foi também o efeito da riqueza.

Pode explicar melhor?

Quando a casa que tens se valoriza, ou seja, se torna mais cara, quando as acções que tens também ficam mais caras, todas estas coisas fazem-te sentir rico e, como resultado, começas a comprar mais, a gastar mais. Entretanto, o lado produtivo da economia não está a acompanhar o aumento da procura por bens e serviços na economia.

Olhando para os cenários que descreveu de elevada inflação, desaceleração do crescimento das grandes economias e incerteza, sobretudo em relação à estabilidade da taxa de câmbio, uma vez que o dólar e o euro já atingiram a paridade em 2022, que impacto terá este cenário para os países produtores de petróleo membros da OPEP no geral e para Angola em particular?

O preço do petróleo subiu demasiado e o preço do gás também. Mas, se você souber que vem aí uma recessão, significa que a procura por esta commodittie vai desacelerar, de facto. Recentemente, li um artigo na revista The Banker que dizia que os preços das commodities atingiram o pico e desceram dramaticamente.

O petróleo não seguiu esta tendência, obviamente que o preço do petróleo disparou, mas contrariamente às outras commodities o preço do barril de crude, após subir muito, caiu um pouco, mas não de forma dramática. Como se explica isto?

Se você olhar para os preços das outras commodities vai reparar que eles estão a cair de forma esmagadora. Se olhar para os inventários no sistema vai perceber que o lado da procura não é o problema. Porque não temos um problema de pandemia, se não for capaz de satisfazer a procura. Portanto, o problema foi criado por todo este dinheiro a fluir e a circular na economia mundial.

De que forma a situação actual vai afectar a dívida internacional. Sabemos que há países a evitar financiar-se nos mercados internacionais, já que o dinheiro está mais caro?

Primeiro que tudo vamos falar sobre as taxas de juros nas maiores economias, porque, tal como a inflação, afectam directamente o preço do dinheiro. Nas gran[1]des economias da Europa, antes de fechar o ano, a inflação estava abaixo da curva ainda está por acompanhar a taxa de juro, que está à volta de 2%.

E nos Estados Unidos?

A Reserva Federal, no mesmo período, nos EUA, mantinha as taxas de juros à volta de 4,25% e eu acho que eles deviam ter parado por aí, não deviam continuar a aumentar a taxa de juros. Porque estes aumentos de taxa, ao apertar a política monetária, vão ter um efeito, mas não será imediato.

(Leia o artigo integral na edição 706 do Expansão, de sexta-feira, dia 06 de Janeiro de 2023, em papel ou versão digital com pagamento em kwanzas. Saiba mais aqui)