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Grande Entrevista

"Não temos empresários, temos rendeiros que vivem das receitas do petróleo"

NETO COSTA, ECONOMISTA

Foi ministro da Economia e Planeamento durante seis meses (Julho de 2019/Janeiro de 2020). Mas, apesar disso, assume-se como um tecnocrata. Crítico do enriquecimento das elites e defensor das liberdades individuais, considera que a história extractivista do País ainda está por ser desmantelada.

Em Angola, a economia continua a ser muito dependente de um único sector. Mas, se estendermos a análise, o próprio sistema político também é bastante centralizado, existe uma elevada concentração de poderes no PR, desde a independência que há um partido dominante, ou seja, parecem faces distintas do mesmo problema. As coisas estão realmente interligadas, há um jogo de espelhos entre a forma como se gere a economia e a forma de fazer política?

Sim, isso tem razões históricas. Alguns autores sustentam que os factores históricos são de algum modo persistentes e que a natureza das instituições políticas acaba por influenciar as instituições económicas. E assim engendra-se todo um sistema. No caso angolano, no período pré-colonial e sobretudo no colonial, por causa dos imensos recursos e considerável população, criaram-se instituições consideradas extractivas, que extraiam a renda a favor das classes dominantes. De tal modo que, mesmo no período pré-colonial ou nas lutas para a conquista de territórios, extraiam- se pessoas. Depois passaram a ser extraídos recursos naturais, com os ciclos da borracha e da economia da plantação (grandes fazendas agrícolas). Estas instituições beneficiavam a metrópole colonial.

De que forma?

Tivemos um Estado angolano colonial baseado na dominação económica por via dos colonos, que por sua vez também reivindicavam sobre o Estado metropolitano. Nas colonizações por povoamento, os colonos criaram instituições inclusivas para si, sobretudo nos países onde não existiam grandes recursos para extrair ou grande população. O tipo de descolonização nestes contextos foi diferente do que aconteceu em Angola, onde os nacionalistas ou colonizados rebelaram-se. Nos casos em que isso não aconteceu (como no Zimbabué), foram criadas instituições inclusivas mas apenas para os colonos.

As tais elites dominantes.

Exacto, no Zimbabué o Estado colonial desvinculou-se da metrópole e criou outro Estado de características similares. No caso da África do Sul a independência foi negociada. No nosso caso, o desfecho foi similar ao da Argélia. Os colonizados rebelaram- se e em Angola não houve um período de transição.

Esse debate ainda não está totalmente fechado, apesar do tempo que passou. Deveria ter havido um período de transição entre a administração colonial e a independência?

O problema é que havia desconfianças mútuas, de tal maneira que depois surgiram factores externos, com a influência das grandes potências e as independências africanas. A ausência de transição causou uma disrupção na administração pública e também na economia. Conta-se que em algumas fábricas perguntou-se onde estavam os trabalhadores e só havia o porteiro, que passou a ser director no mesmo dia.

Sinal de que as funções intermédias também eram controladas pelo poder colonial.

Depois veio a guerra civil, que piorou o cenário. O regime de economia centralizada acabou por reforçar alguns dos problemas que tínhamos e depois, com a transição para a economia de mercado, houve oportunismo das classes políticas dominantes. Que passaram a ser também as classes económicas dominantes devido às vantagens obtidas com as privatizações, que não eram transparentes e beneficiaram as classes políticas, militares e da administração pública. Assim, continuou-se o curso da economia extractiva e criaram-se instituições que tinham como beneficiário quem detinha o poder político, agora também com poder económico. Que se agravou com aquilo que considero ter sido uma política deliberada de acumulação primitiva de capital.

Que no fundo foi um processo de formação de elites nacionais e há quem defenda esse tipo de estratégias. É assim que se forma uma classe empresarial angolana viável?

Se a intenção era boa, diz-se que o inferno está cheio de boas intenções, a prática não foi essa, criou- -se uma economia rendeira. Tenho dito que quase não temos economia. Não temos empresários, temos rendeiros, que vivem da renda obtida com o sector petrolífero. Se olharmos para as crises de 2008 e 2014, no caso angolano, aconteceu uma transmissão externa via preço do petróleo. A renda caiu e vimos o que aconteceu no imobiliário e depois, em cascata, em todos os sectores. Naquela altura, um restaurante que se prezasse tinha um chefe de sala que não era nacional.

(Leia o artigo integral na edição 723 do Expansão, desta sexta-feira, dia 5 de Maio de 2023, em papel ou versão digital com pagamento em kwanzas. Saiba mais aqui)