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Grande Entrevista

"O mercado publicitário é um reflexo do que está a ser a nossa economia"

CLÁUDIO RAFAEL, Associação Angolana das Empresas de Publicidade e Marketing

A realização do Festipub foi o mote para a conversa com o especialista Cláudio Rafael, que acredita na publicidade como elemento de desenvolvimento da sociedade e defende a necessidade de regulamentação da Lei para que o sector participe mais na economia nacional.

Depois da realização do segundo Festival de Publicidade (Festipub), com mais de 30 categorias em competição, em Setembro, que avaliação faz do mercado nacional de publicidade e marketing?

O mercado da publicidade hoje é muito diferente daquilo que era há 9 anos. Um período em que era mais dinâmico. Estou a falar mais ou menos entre os anos 2013/2014, em que havia uma participação forte de alguns segmentos de consumo como, por exemplo, a grande distribuição, os híper e super mercados estavam em franca expansão. Tínhamos a indústria das bebidas também forte e havia uma população consumidora. Com um poder de compra maior e a constituir-se no mercado de consumo.

O que mudou?

Tivemos uma perda deste mercado que se reflecte na nossa indústria publicitária. Hoje temos um mercado com poder de consumo muito mais baixo. Grande parte da compra de espaço publicitário na media está muito mais centrada em campanhas informativas. Campanhas educativas, diferente do passado onde o mercado estava muito mais focado para o consumo efectivo. Consumo das famílias, produtos... Hoje temos um mercado muito mais constrangido, restrito. Um mercado eventualmente mais moldado à actual realidade do nosso consumo.

O que levou esta alteração?

É uma alteração que é transversal a todo o País. De 2014 para cá tivemos recessões fortíssimas e cíclicas com a queda do preço do barril do petróleo. E tivemos ainda restrições a divisas. Ao mercado cambial. Estes dois factores combinados afectaram todos os segmentos da economia nacional. E nós em particular. Precisamos importar e para isso precisamos de divisas e em algumas áreas quase que exclusivamente. Por exemplo, a parte de eventos, impressão digital, outdoors, impressoras, tintas... É tudo material importado. A nossa indústria ressentiu-se muito com a falta de divisas.

Isto justifica a mudança de que fala?

Áreas como agências de publicidade também tinham uma grande componente de mão-de-obra estrangeira a trabalhar no nosso País e esta mão-de-obra precisa de divisas. Então duas coisas se sobrepuseram. E a terceira coisa que somou a estes factores foi o facto dos clientes, a parte que encomenda os serviços, a publicidade, reduzirem os budgets com os cortes que fizeram por causa da situação económica do País. A publicidade, normalmente, é o primeiro lugar onde se começam os cortes quando uma indústria qualquer sente-se abanada. E isso acaba por resultar numa série de factores que afectaram negativamente a nossa indústria.

De 2014 para cá o que alterou financeiramente na indústria publicitária?

Em 2014 nós tínhamos um mercado que valia mais ou menos 370 milhões USD. Estou a falar dos segmentos rádio, televisão, jornal e outdoors. Mas tínhamos algumas áreas que estavam fora deste valor, por exemplo a produção de áudiovisual. Se juntarmos esta área, podemos dizer que naquela altura o mercado valia perto de 1.000 milhões USD, números baseados na informação que as empresas fornecem e nem todas são tão abertas. De lá para cá, o investimento tem vindo a cair e em 2020 o investimento foi de 36,142 milhões USD, segundo dados da Marktest. Por aqui podemos ver o tamanho da queda que este mercado teve. Por aqui se pode ver a dimensão do problema que temos em frente.

E depois de 2020?

Viémos da pandemia da Covid-19 e durante este período muitas empresas descontinuaram ou ficaram em standby. E é natural que no ano a seguir investissem mais. O que nos deixa com números muito bonitos mas que na verdade não representam a realidade do que é o mercado.

Quem são os principais investidores no mercado?

Olhando para o relatório da Marktest, actualmente o principal investidor é o Governo. Com uma nota muito importante: estes relatórios são feitos com base na ocupação dos espaços publicitários. Esta ocupação é convertida em investimento pela tabela de venda do meio. Mas apesar do Estado aparecer como principal investidor, na prática esta grande faixa não se reflete em receita.

Porquê?

Porque o Estado, enquanto instituição que ocupa estes espaços, supostamente que investe, mas não, porque muito deste espaço é resultado de permutas, trocas. Até mesmo porque o Estado tem a possibilidade de ter a sua comunicação nos meios que estão sob sua gestão. Logo a seguir no ranking de quem mais investe aparecem os próprios canais em segundo lugar. O que também é um reflexo de que a economia não está tão forte quanto deveria.

Os canais compram espaço?

Os canais não compram espaços. Os canais usam os seus espaços para fazer publicidade sobre os seus próprios produtos. Telenovelas, programas... Também usam estes espaços para atribuír patrocínios de eventos. Há aqui uma característica interessante. Se olharmos para a composição do investimento publicitário, quase metade deste investimento não gera transacções. É um investimento publicitário que não paga impostos, que não representa necessariamente serviços e uma série de conexos que acontecem quando se faz um investimento de facto. A Unitel aparece na terceira posição dos que mais investem e é o primeiro grande pagante desta lista. Acreditamos que esta empresa compra estes espaços, gera receitas e paga impostos.

Esta composição dos que mais publicitam é uma anormalidade do mercado?

A composição actual do nosso mercado difere muito da composição de outros países. Por exemplo, o Brasil é uma realidade acessível para nós, onde os serviços e o comércio ocupam uma parte significativa do investimento publicitário. E aqui do nosso lado temos o Governo e promoções a ocuparem quase metade do investimento publicitário.

Os serviços e o comércio publicitam pouco nesta altura?

Sim. Mas publicitam pouco porque o consumo é limitado. Actualmente temos uma economia com um poder de consumo muito baixo. As famílias, os consumidores, têm pouco poder de compra. Não estou a me referir à classe média que é um nicho muito pequeno e acaba até por ser um nicho privilegiado. Estou a falar sobretudo da classe baixa. Esta franja, quando recebe o seu salário, já está todo comprometido à partida. Pagamento da renda da casa, algum tipo de empréstimo que fez... A família já começa o mês com o seu poder de compra reduzido. E quando se acrescenta o transporte, basicamente o orçamento acabou. E esta família consome a cesta básica. E a cesta básica não anuncia. Não publicita. Porque a cesta básica é um produto que está praticamente vendido porque faz parte da necessidade mais essencial dos consumidores.

(Leia o artigo integral na edição 699 do Expansão, de sexta-feira, dia 04 de Novembro de 2022, em papel ou versão digital com pagamento em kwanzas. Saiba mais aqui)