A reforma económica do Estado
Heitor Carvalho, economista e director do Cinvestec escreve um texto de opinião onde propõe medidas concretas para a reforma económica do Estado, que começa pela alteração da estrutura do Orçamento do Estado, lembrando que "um dos grandes problemas da distribuição da despesa do Estado consiste em não fazer escolhas".
Entendemos que a verdadeira reforma do Estado no campo económico deve incluir o registo e titularidade da propriedade, a substituição do sistema de licenças por normas de aplicação geral e directa e uma clara aposta na educação, saúde, segurança pública e segurança jurídica.
Uma verdadeira reforma do Estado deve incluir a gestão de infra-estruturas, nomeadamente vias de comunicação, água, electricidade e saneamento, para que os custos de contexto (água de cisterna, geradores, desgaste no material rolante, etc.) se reduzam, a economia nacional seja mais competitiva, os direitos dos consumidores e das empresas possam cumprir-se e a economia prospere. Para tal, a definição de cada serviço público deve ser muito específica e adaptada aos recursos disponíveis e não um conjunto de fórmulas abstractas.
Por exemplo, é fundamental que o Estado defina o serviço público de educação. Pretende-se garantir que todos os alunos tenham acesso a um ensino gratuito até ao 6.º ano? Tem o Estado condições para criar escolas públicas para esse objectivo? Deve o Estado limitar o serviço público a quem "couber" nas escolas públicas, como hoje acontece? Ou deve recorrer aos colégios privados, pagando as propinas dos alunos até ao 6.º ano? Ou deve limitar a gratuitidade a um número limitado de famílias mais carenciadas através do apoio social?
O que nos parece sem qualquer sentido é a definição do serviço público (gratuitidade do ensino), deixando a sua execução ao acaso (haver escolas públicas a que a criança possa ter acesso) e sem um critério bem definido de qual o nível actual que o Estado está em condições de garantir e quais as perspectivas futuras. Um dos grandes problemas da distribuição da despesa do Estado consiste em não fazer escolhas, em querer fazer tudo, assegurar tudo. Como consequência, distribuem-se migalhas para cada coisa, e nada fica assegurado, desperdiçando recursos.
Cremos que a definição clara de cada serviço público em função das restrições orçamentais ajudaria a clarificar as escolhas e a perceber os efeitos das diversas alternativas de distribuição da despesa, tanto na educação como em qualquer outra função do Estado. Da execução do OGE 21 podem tirar as seguintes conclusões:
¦ Não vale a pena fazer orçamentos! O OGE deveria ser um exercício de definição das prioridades nacionais.
¦ Aparentemente, com a nossa disciplina orçamental, é apenas um papel!
? Na nossa opinião, devem alterar- -se significativamente as prioridades na distribuição da despesa:
? A Educação deve aumentar mais de 50%, passando de 8% para 13%;
? A Saúde deve aumentar cerca de 1/3, de 9% para 12%;
? A Habitação Social deve ser EXCLUSIVAMENTE habitação social, habitação para os mais pobres;
? A Protecção Social e a Habitação Social devem quase triplicar, passando de 11% para 30%, deixando o Estado de se preocupar com a habitação para a classe média (centralidades), dedicando os recursos comuns exclusivamente para a habitação dos mais necessitados;
? A PN deve ser EXCLUSIVAMENTE dedicada à Segurança Pública e Rodoviária, libertando-a das funções de controlo dos cidadãos que não lhe cabem. Deve manter-se entre 8% e 9%;
? A recreação, a cultura, a religião e o ambiente devem aumentar cerca de 2,5 vezes, passando de 0,5% para 1,3%;
? A despesa económica deve manter-se em 14% e concentrar-se em estradas, energia e água. Os subsídios aos combustíveis dedicados à produção devem, na nossa opinião, reduzir-se para entre 1/2 e ? do valor actual, mas manter-se;
? A Defesa, depois de se passar a despesa social com os antigos militares para a protecção social (pode continuar a ser gerida pela Defesa, mas deve, em termos de função do Estado, ser integrada na Protecção Social), deve baixar para menos de metade, de 9% para 3,5%;
? A burocracia de Estado deve reduzir-se drasticamente, de 13,8% para 3,5%; ? Os juros devem reduzir-se cerca de 40%, passando de 26% para não mais de 15,5% da despesa, o que implica reduzir 40% da dívida, o que é equivalente a cerca de 15 biliões de kwanzas, dos quais cerca de 20 mil milhões USD são correspondentes a dívida externa ou indexada. Este valor corresponde a 4,6 anos de TODOS os rendimentos petrolíferos do Estado em 2021!
Nestas circunstâncias, todo e qualquer aumento da disponibilidade de divisas decorrente do preço do petróleo deve ser APENAS usado para a redução da dívida! A despesa total representa mais de 200% da receita não-petrolífera, quer na execução de 2021, quer no OGE 22. Se não aumentarmos a receita e não reduzirmos a despesa antes do esgotamento dos rendimentos petrolíferos, ficaremos com um Estado completamente inviável.
(Leia o artigo integral na edição 688 do Expansão, de sexta-feira, dia 19 de Agosto de 2022, em papel ou versão digital com pagamento em kwanzas. Saiba mais aqui)