Desperdício orçamental
É importante lembrar que a fixação dos gastos públicos deve concorrer para o alcance de três objectivos fundamentais: i) Estabilidade económica; ii) redistribuição do rendimento, riqueza e oportunidades, e iii) Promoção do crescimento da economia. Em algumas circunstâncias, estes objectivos são complementares e noutros divergentes. Mas todos tendem a concorrer para o bem-estar social. E qualquer despesa que não se enquadre nos três objectivos deve ser expurgada da estrutura do OGE, pois constitui um desperdício orçamental.
A discussão sobre o Orçamento Geral do Estado (OGE) em Angola tem-se centrado, maioritariamente, na dimensão dos gastos e na forma funcional da despesa (Social, Económica, Defesa e Segurança, Serviços Gerais e Operações com a Dívida), o que tem a sua razão de ser, uma vez que quanto maior as despesas menor é a capacidade de a economia privada se afirmar e desenvolver e, por outro lado, é na estrutura das despesas que se conseguem apurar as preferências e prioridades de quem governa, factos que, numa sociedade polarizada, facilitam o debate político.
Mas vejo que tem sido dada pouca atenção ao conteúdo e às incidências económicas das despesas públicas. Não sei se de forma propositada, no sentido de branquear e excluir da discussão pública questões como a eficiência e equidade das despesas ou, também, por ignorância da nossa parte, em linha com a fraca produção de estudos científicos sobre os temas das finanças do Estado
Devo sublinhar, e sem desestimar a importância em volta da discussão das despesas por função, que dizer que o sector da educação tem de ter 20% das despesas do OGE não é condição necessária, tão pouco suficiente, para assegurar que o processo de ensino e aprendizagem seja compatível às necessidades de desenvolvimento do País. E o mesmo racional é aplicável ao sector da saúde. Não se vai reduzir o número de mortes por malária em Angola, por se assegurar que o sector da saúde tenha 15% do OGE.
A discussão tem de se voltar para a qualidade destas despesas. Tem de se virar para as incidências económicas e sociais das mesmas. Tem de levar em linha de conta a estrutura e os constrangimentos idiossincráticos da estrutura e da infra-estrutura que o suporta. Pois não é, necessariamente, a afectação de mais verbas que resolve o problema da qualidade dos serviços públicos.
Dito isto, é importante lembrar que a fixação dos gastos públicos deve concorrer para o alcance de três objectivos fundamentais: i) Estabilidade económica; ii) redistribuição do rendimento, riqueza e oportunidades, e iii) Promoção do crescimento da economia. Em algumas circunstâncias, estes objectivos são complementares e noutros divergentes. Mas todos tendem a concorrer para o bem-estar social. E qualquer despesa que não se enquadre nos três objectivos deve ser expurgada da estrutura do OGE, pois constitui um desperdício orçamental.
Com efeito, devem estar na categoria de desperdício orçamental as i) despesas sobrefacturadas; ii) as despesas não executadas; e iii) as despesas mal estruturadas. Para o primeiro caso (despesas sobrefacturadas) as evidências são apuradas nas diferentes denúncias públicas. Voltar a referir as facturas milionárias que são partilhadas nas redes sociais, as inúmeras obras com orçamentos milionários e ou as despesas inscritas no OGE incompatíveis com os preços praticados no mercado não trariam nada de novo à discussão, sendo que, dos meus cálculos, perto de mais de 5% a 10% das despesas fiscais inscritas no OGE têm preços acima da média do mercado.
A resolução destes desafios deve passar pelo aumento do nível de descentralização das Finanças do Estado e do aumento da centralização do nível de controlo das mesmas. Dito de outro modo, que se dê maior liberdade às administrações locais para identificar as necessidades e executar as despesas, mas que o controlo da execução das mesmas fique condicionada a uma supervisão da estrutura central. E, aqui, a introdução das compras electrónicas, por parte do Ministério das Finanças, tem vindo a ser uma solução positiva e tem contribuído para a redução dos desperdícios.
Para o segundo nível de desperdício, em média, o grau de execução das despesas no OGE, nos últimos 10 anos até 2018, fixaram- -se abaixo dos 90% das despesas autorizadas. Diferentes razões podem explicar o padrão, mas é importante reconhecer que quando não há capacidade de execução de uma determinada unidade orçamental é a outra unidade orçamental, com necessidades claras, que fica prejudicada. Pois a sua fixação, em sede da proposta do Orçamento de Estado, exclui a fixação de uma outra despesa e ou o incremento dos montantes para outra unidade orçamental. E os recursos quando não são cativados pelo Tesouro são executados em despesas não previstas, o que claramente penaliza a capacidade de as despesas públicas contribuírem para a melhoria do bem-estar social.
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