Como os IPOs estão a redesenhar a banca em Angola
Este processo, que para o investidor é uma oportunidade de diversificação do portfólio de investimentos, é para o Estado uma estratégia inteligente de privatização. Para os bancos, representa uma nova oportunidade para crescerem e se consolidarem como pilares fundamentais do sistema financeiro. E para Angola, trata-se de um marco no caminho rumo a uma economia moderna, sólida e mais aberta.
Pela primeira vez na história, o sistema bancário angolano está a ser submetido a um verdadeiro "teste de mercado". A realização de Ofertas Públicas Iniciais (IPOs) dos bancos na BODIVA (nomeadamente o BAI, Banco Caixa Geral Angola e, em breve, o BFA e o Standard Bank Angola), marca o início de uma nova era no sector financeiro nacional. Um IPO é o mecanismo através do qual uma empresa torna parte do seu capital disponível ao público, permitindo que investidores adquiram acções, contribuindo para a captação de recursos junto ao mercado financeiro. Este processo é caracterizado pela entrada de capital privado, um nível ampliado de divulgação de informações e o aumento do escrutínio público num sistema que, tradicionalmente, era mais fechado e fortemente influenciado pela participação estatal.
Mas o que significa, na prática, este movimento para os bancos, para os investidores e para a economia angolana?
Durante décadas, o sector bancário angolano funcionou num modelo concentrado, com forte presença de instituições controladas pelo Estado e um número limitado de agentes. A inexistência de uma cultura de mercado e de capitalização por meio da bolsa de valores fazia com que a maioria dos bancos funcionasse com estruturas mais voltadas para o âmbito interno da própria instituição, sem estar sujeita à dinâmica e aos mecanismos típicos de pressão dos investidores privados.
Este paradigma começou a mudar com o lançamento dos primeiros IPOs, que estrategicamente foram realizados por bancos, nomeadamente o BAl e o Banco Caixa Geral Angola.
Esses eventos inauguraram uma nova rota, a do mercado de capitais como ferramenta para fomentar o crescimento sustentável e facilitar uma melhor compreensão, por parte da população, sobre os desafios internos enfrentados pelos bancos.
Ao abrirem o capital, os bancos continuam sujeitos às exigências do Banco Nacional de Angola, no âmbito da Lei do Regime Geral das Instituições Financeiras, e legislação complementar, que já obriga à publicação de demonstrações financeiras auditadas e à implementação de mecanismos de compliance e governação. No entanto, a entrada em bolsa eleva esses requisitos a um novo patamar, exigindo um maior detalhe nos relatórios e informações que são divulgadas, resposta ao escrutínio do público investidor e adopção de práticas de comunicação mais abrangentes e acessíveis. Em vez de prestar contas apenas ao regulador e a um número restrito de accionistas, o banco passa a responder a um grupo muito maior e variável de accionistas, ao mercado como um todo e ao regulador. Cada um desses agentes possui objectivos distintos e, muitas vezes, divergentes para o desenvolvimento e crescimento da instituição.
Essa multiplicidade de interesses exige do banco uma actuação mais equilibrada e estratégica, capaz de conciliar as demandas dos seus diversos stakeholders enquanto preserva a sua solidez e propósito institucional. A experiência internacional mostra que bancos cotados em bolsa tendem a ser mais resilientes, inovadores e competitivos. Nos mercados como os do Brasil, Nigéria e África do Sul, os IPOs de instituições financeiras ajudaram a ampliar o acesso ao crédito, aumentar a eficiência operacional e atrair investimento estrangeiro. Factores que são essenciais ao crescimento económico do país.
No caso angolano, o impacto pode ser especialmente significativo. Ao promover uma maior abertura e alinhamento dos bancos com a lógica e as regras do mercado, os IPOs desempenham um papel importante no fortalecimento da confiança pública e internacional, aprimorando o sistema financeiro local e tornando-o mais atractivo para o investimento estrangeiro, contribuindo assim para a sua contínua evolução e robustez.
Além disso, o sucesso dos IPOs realizados até à data (em particular dos relacionados ao sector financeiro), demonstra que os investidores estão dispostos a fazer parte da estrutura accionista dos bancos e, consequentemente, a arcar com os ganhos e perdas e a influenciar positivamente o mercado.
Contudo, o sucesso desta nova fase dependerá da capacidade de incluir mais angolanos no mercado de capitais. Para que os IPOs tenham um impacto real na economia, é necessário que pequenos investidores se sintam preparados para participar e compreendam os riscos e as oportunidades do investimento em acções.
A literacia financeira, neste contexto, deixa de ser uma mera questão académica e passa a ser uma necessidade estratégica nacional. Sem ela, o mercado corre o risco de se tornar elitizado, havendo poucos (ou os mesmos) participantes. Esse cenário limitaria o efeito positivo dos IPOs sobre o desenvolvimento económico.
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*Igor Fortes Gabriel, Advogado