Refundação da ANIESA tem de olhar para a postura dos fiscais
O novo modelo procura corrigir as falhas estruturais que marcaram a actuação da ANIESA desde a sua criação, em Outubro de 2020. O sucesso da refundação não dependerá apenas da reestruturação institucional, mas sobretudo de uma mudança de mentalidade dos inspectores.
A Autoridade Nacional de Inspeção Económica e Segurança Alimentar (ANIESA) prepara-se para uma restituição profunda, num movimento que visa unificar as competências de supervisão económica actualmente dispersas por várias entidades e aliviar a pressão regulatória que há anos sufoca os operadores económicos.
A reforma, aprovada pelo Executivo no quadro da Estratégia de Implementação da Reforma do Sistema de Inspecção Económica, prevê igualmente a extinção do Instituto Nacional de Defesa do Consumidor (INADEC), concentrando numa única entidade o poder de inspeccionar, regular e garantir a conformidade económica e alimentar em todo o território nacional.
Segundo apurou o Expansão, o novo modelo procurou corrigir as falhas estruturais que marcaram a atuação da ANIESA desde a sua criação, em Outubro de 2020, quando foi efectuada a fusão de serviços de vários serviços de inspecção de ministérios como o da Saúde, Indústria, Comércio, Ambiente, Transportes, Pescas e Turismo. A intenção inicial era criar uma autoridade nacional capaz de coordenar e uniformizar toda a actividade de inspecção, reduzir a burocracia e melhorar o ambiente de negócios.
No entanto, nos últimos quase cinco anos, o resultado ficou muito aquém do esperado, com queixas recorrentes de agentes económicos que dizem ser alvo de perseguição por parte dos fiscais para pagamentos 'por fora', de forma a evitar a paralisação da actividade económica. A dispersão de competências entre administrações municipais, governos provinciais e forças policiais acabou por esvaziar a ANIESA de autoridades que lhe foram atribuídas pelo Decreto Presidencial n.º 267/20.
Na prática, cada província desenvolveu a sua própria estrutura de fiscalização, sem subordinação direta à autoridade central. O circuito burocrático tornou- -se moroso, os relatórios partiam das administrações municipais, passando pelos gabinetes provinciais e só depois chegaram à ANIESA. "Havia situações em que o inspector municipal só enviava informação à sede nacional se quisesse", revelou uma fonte interna.
Essa fragmentação institucional gerou duplicação de ações inspetivas, com diferentes equipes a visitar as mesmas empresas num curto espaço de tempo, aplicando multas, apreendendo produtos e exigindo documentos já verificados por outras entidades. O resultado foi um ambiente de negócios hostil e imprevisível, que dificultou o planejamento empresarial e abriu espaço para práticas de extorsão e corrupção, denunciadas há anos por associações empresariais e câmaras de comércio.
Empresários defendem a centralização
Carlos Alves, diretor de Estratégia do Grupo Noble, confirma que este reembolso é um passo necessário para a racionalização da atividade económica.
"As nossas fábricas e estabelecimentos são fiscalizados por várias entidades diferentes, muitas vezes no mesmo mês. Isso gera desconforto e custos adicionais. Uma autoridade única, com procedimentos claros e coordenação central, pode melhorar o ambiente de negócios e restabelecer a confiança dos operadores", afirmou. Nos últimos anos, as solicitações do setor privado multiplicaram-se. A ANIESA, o INADEC, a Polícia Económica e as administrações municipais exercem competências sobrepostas, com cada entidade a aplicar as suas próprias multas e avaliações.
Segundo dados da Associação Industrial de Angola (AIA), mais de 60% das empresas inquiridas em 2023 reportaram ter sido alvo de três ou mais fiscalizações diferentes no mesmo trimestre, em muitos casos para averiguar questões semelhantes. Para economistas e juristas, o sucesso da restituição não dependerá apenas da reestruturação institucional, mas sobretudo de uma mudança de mentalidade dos inspetores.
"O problema não é apenas estrutural, é também cultural", defende o jurista Felizardo Elias, que acompanha o processo de reforma desde a sua primeira proposta em 2022. "Se os mesmos quadros que hoje privilegiam a proteção e a coacção são mantidos sem formação adequada, a nova entidade corre o risco de repetição dos erros do passado. Sem ética e sem um verdadeiro sentido de serviço público, a restituição será apenas uma mudança de nome", defende.
O especialista alerta que, em países como Cabo Verde e Moçambique, processos semelhantes só produziram resultados quando foram acompanhados por reformas administrativas profundas, com formação técnica, pagamentos compatíveis e sistemas electrónicos de registo e controlo, que controlam o contacto directo entre fiscais e empresários - o principal foco de vulnerabilidade à corrupção.
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