Rabugento saiu do musseque para a cidade e já rende 1,2 mil milhões Kz
Negócio ganhou impulso, em 2011, com a primeira autocaravana comprada com dinheiro próprio em Portugal. E hoje tem um projecto em marcha para uma fábrica de gelados no Bairro Popular, que recebeu financiamento de 200 milhões Kz do Banco Sol. Marca faz sucesso nas ruas de Luanda.
Romper a barreira entre o bairro e o asfalto foi um percurso que teve início há mais de 20 anos, quando António Manuel, na altura com 22 anos, abandonou o emprego na antiga fábrica de gelados e iogurtes -Laboratórios Ardep - para entrar na aventura de fazer o seu próprio gelado. Depois de dois anos de trabalho, conseguiu juntar experiência e 300 USD. Nascia assim o negócio dos gelados Rabugento.
Na altura, o dinheiro serviu-lhe para comprar uma máquina usada de gelados e a experiência colocou-lhe à mão a receita ideal para dar asas a um negócio de sonho. Apesar de o seu verdadeiro sonho ter sido o jornalismo, a paixão de fazer gelados hoje encaixa-se melhor no seu percurso, assume.
Foi na rua da antiga Cimex, no Bairro Popular, que a Rabugento serviu o primeiro gelado. Das dificuldades que a maior parte das empresas passam num país onde a informalidade impera - que vão desde as "visitas" dos fiscais, às dificuldades para pagar aos seus fornecedores - até à facturação de 1,2 mil milhões Kz, mais 600 do que em 2021, foi um ápice.
Em 2011, com a entrada de António Azevedo como sócio, angolano nascido no Bairro Operário, o negócio ganhou outro impulso. "Trabalhava na empresa que fornecia matéria-prima para gelados ao António Manuel, e fui incumbido de cobrar a dívida que tinha, mas depois de ver a persistência e ver o negócio virei fiador, porque acreditava no projecto", explicou ao Expansão.
Foi assim que juntos mandaram fazer a primeira autocaravana com dinheiro próprio em Portugal para permitir levar a marca a toda a província de Luanda. Dois anos depois, em 2013, compraram mais duas por um total de 387 mil EUR. "Parecia que íamos vencer o preconceito do asfalto, mas fomos empurrados para a poeira. Éramos ambulantes. Tínhamos o registo do Ministério do Turismo, mas as administrações municipais não reconheciam. Simplesmente não nos deixavam. O País é um pouco assim. Em Paris, uma autocaravana igual à nossa ficava junto da Torre Eiffel. Mas isso não matou o vício de investir", lamentou António Azevedo.
O nome "ofensivo" e o marketing boca a boca
A designação da marca Rabugento está muito associada aos cones para os gelados, que a empresa começou a fazer artesanalmente em 2010 e continua até hoje. "O tamanho dos cones sempre foram grandes e isso assustava um pouquinho. Os clientes atribuíam vários nomes inclusive o Rabugento. Achei que era incomum, e ficou", explica António Manuel.
Mas depois deu algum trabalho para ser aceite oficialmente. O registo do nome como empresa só foi aceite há três meses, por ser um nome que, de acordo com os sócios, foi considerado "ofensivo" pelo cartório, apesar da aceitação pública, que é "inquestionável".
Até esta altura a marca estava registada e era representada pela empresa Vivagel, que é uma sociedade unipessoal que pertence a António Manuel Azevedo desde 2011.
De boca em boca
A Rabugento conta actualmente com 230 trabalhadores. Além de gelados fazem também hambúrgueres, cachorros quentes, pipocas e algodão doce, mas os gelados são o principal produto. Tem 18 postos fixos de venda em Luanda e um em Benguela. O objectivo é ter 50 postos na capital, por ter 10 milhões de habitantes, que são potenciais clientes, e depois olhar para a expansão no resto do País.
A empresa não está nas redes socias para promover o negócio por acreditar que o marketing boca-a-boca funciona bem com a marca, que continua a "quer ser reconhecida pelo cliente e o cliente vai ditar o que a marca significa". Um dos grandes factores de fidelização da marca aos clientes é o preço que já resistiu às várias crises, à inflação sempre em alta, à desvalorização abrupta do Kwanza e à pandemia. Aliado ao preço surge o facto de ser um gelado único e no mesmo formato.
A opção de fazer os gelados com a matéria-prima que existe no País foi fundamental para manter o preço de 500 Kz sem se alterar a qualidade e o formato dos cones, que são também responsáveis pelo sucesso do negócio. "Só compramos a essência (os sabores) no Brasil, tudo o resto é comprado aqui para reduzir os custos de importação e manter 500 Kz que está ao alcance de todos", explica António Manuel.
O próximo passo é deixar de ter as autocaravanas a funcionar, que eram importadas e serviram para tornar a marca conhecida em todos os municípios de Luanda, com o objectivo também de reduzir os custos. A partir do momento que apostou nos postos fixos de vendas, a empresa usou a seu favor a segmentação geográfica, instalando quiosques em pontos com grande visibilidade e fluxo de pessoas, tornando quase irresistível a tentação de comprar um gelado debaixo do calor característico de Luanda. Basta deslocar-se à marginal de Luanda, junto ao edifício da Sonangol, para diariamente assistir a filas intermináveis de clientes à espera para comprar um destes gelados.
(Leia o artigo integral na edição 714 do Expansão, de sexta-feira, dia 03 de Março de 2023, em papel ou versão digital com pagamento em kwanzas. Saiba mais aqui)