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Grande Entrevista

"É necessário que existam termos de pagamento condignos"

LUÍS LAGO DE CARVALHO, DIRECTOR DA OCTOMAR

É o director da Octomar e vice-presidente da Associação das Empresas Contratadas da Indústria Petrolífera (AECIPA). Explica que um ano depois da aplicação da lei do conteúdo local as empresas não beneficiam da lei. Propõe a aplicação de 4 medidas para reforçar o peso do conteúdo local em Angola.

Há dois anos, foi publicada a Lei do Conteúdo Local e, em Maio do ano passado, foi publicada a lista dos serviços pelos quais as empresas locais ou joint ventures têm preferência. Esta lei veio para dar suporte a estas empresas que investiram em Angola, promovendo mais negócios, mais empregos e salvando algumas empresas do modo de sobrevivência. As empresas do conteúdo local já sentem os benefícios da lei?

A lei do conteúdo local já tem dois anos e a lista que lhe deu vida já tem mais de um ano, mas só agora há um mês foi publicado o novo departamento da ANPG que vai encarregar-se do conteúdo local. Só agora ficámos a saber quem são os membros deste departamento e a directora. Criou-se uma direcção dentro da concessionária.

Embora tardio, não é um bom sinal?

Sim. É uma iniciativa de louvar. O conteúdo local é um tema demasiado sério que não ficava bem ser mais uma área sem poderes e sem ter uma equipa responsável dedicada a acompanhá-la. Parabéns à Agência Nacional de Petróleo, Gás e Biocombustíveis (ANPG) por ter percebido que as coisas não podiam continuar como estavam. Passado tanto tempo, não se sabia quem ia liderar o projecto. Agora, já sabemos o que é bom.

Sabemos que em finais de Junho foi nomeado vice-presidente da Associação das Empresas Contratadas da Indústria Petrolífera (AECIPA). A associação congrega as prestadoras de serviços à indústria petrolífera. Estas empresas já sentem os benefícios da Lei?

Continuamos a ter a seguinte situação: diz-se que se quer ter conteúdo local, mas não há uma métrica. É complicado dizer que se quer aumentar o impacto do conteúdo local no sector petrolífero, ter mais empresas no mercado, mais contratação de pessoas, mas depois não temos métricas.

A que métricas se refere?

Não há, por exemplo, metas para o crescimento e desenvolvimen[1]to do conteúdo local. Não sabemos qual a percentagem sobre o total dos valores contratados que se pretende atingir a curto, médio e longo prazo. Não há uma metodologia de avaliação do conteúdo local dentro dos projectos, seja em curso e futuros. Não há números, não há nada disso.

Isso é preocupante?

Muito. E, se não tivermos isso, vamos só dizer que está a funcionar. Ou seja, teremos alguém que diz que funciona e outros dirão que não está. Enquanto não houver isso não teremos como provar que não está, de facto, a funcionar. Enquanto não houver isso, vamos continuar a falar. Vamos a sete conferências e eventos de conteúdo local, há mais de um ano, e não sairemos das mesmas conversas.

Mas não há já empresas a beneficiar da lei do conteúdo local, obtendo contratos mais de um ano depois da publicação das listas?

Gostava muito de ouvir, se houver, alguém que me diga pessoalmente que as suas empresas normalmente têm conseguido contratos, alguns trabalhinhos baseados na lista que foi criada. Gostava que eles se apresentassem e que dessem este testemunho, para podermos também ficar satisfeitos e comprovar que alguma coisa tem sido feita. Eu, pessoalmente, ou as nossas empresas e pessoas conhecidas, não sinto que isto esteja a acontecer.

Tem havido concursos no sector petrolífero. Quem está a ganhar os novos contratos?

Os contratos estão a ir para as grandes empresas internacionais, inclusive os concursos que são feitos internamente. O que a lei permite, nos casos de uma empresa que já está contratada e que está ainda a prestar um serviço e surge a possibilidade de se fazer um concurso directamente com esta empresa para alargar outros serviços. Faz-se isso, porque ela já está lá dentro e, nestes casos, cria-se uma extensão.

As empresas locais ou joint ventures, entre nacionais e estrangeiras que já aqui estão, empregam pessoas e têm investimentos no País, não tem ainda sido privilegiadas?

Até isso, da extensão de serviços e contratos, é uma coisa que só acontece com empresas grandes e internacionais. Nós nunca tivemos um contrato onde durante a vigência do mesmo nos pediram para negociar um novo contrato ou fazer só uma extensão deste contrato para outros serviços relacionados ou por nós prestados.

Que oportunidades acredita que deviam ficar com as empresas locais de serviços?

Nós participámos recentemente num concurso numa área ligada a navios mais pequenos, que é uma área em que se deve privilegiar as empresas locais e joint ventures, como temos insistido. Tudo porque as empresas pequenas não vão obviamente de um momento para o outro entrar no mercado dos navios grandes, dos grandes FPSO"s, dos navios de carga, dos grandes PSV"s, rebocadores, não vão.

Porquê?

Porque não têm capacidade financeira para isso. Estamos a falar de um mercado, onde cada navio custa entre 25 a 30 mihões USD por navio. Mas há outro tipo de mercado dentro da indústria dos navios de apoio mais pequenos e que aí as empresas já têm hipóteses. Inclusive algumas delas já operam alguns barcos destes comprados ou de aluguer.

Mas estava a falar do concurso em que participaram.

Houve esta oportunidade, recentemente, de um concurso com boas condições em termos de tempo, nomeadamente, e, no final de contas, o contrato foi para uma empresa internacional grande.

Foram informados sobre o que terá afastado a vossa candidatura? Dizem que as propostas das empresas nacionais e joint ventures são muito caras e tornam o conteúdo local mais um custo do que um benefício?

Não fomos informados. Mas se não ganhámos pelo tipo de embarcações devo dizer que é um falso argumento, porque tecnicamente os navios são quase todos idênticos. Estamos a falar de um concurso que exigia navios novos, por isso são todos navios fabricados nos mesmos standards e muitos deles até pelo mesmo fabri[1]cante. E sabemos disso porque o fabricante indicou que tinha vários pedidos de várias empresas para o mesmo mercado. Em termos técnicos, da capacidade e características do navio, não pode[1]ria haver grandes diferenças nas propostas.

Diz que as empresas internacionais vencem pelo critério da competência técnica e experiência?

Em termos de capacidade técnica, existem já empresas em Angola com capacidade para gerir aqueles navios, ou seja, barcos até, nem chegam a ser navios. E se a questão se prende com a parte económica, mais uma vez, acho que devia haver a possibilidade de se rever, durante o período do concurso, qual é essa diferença e qual é a possibilidade de se apoiarem essas empresas para conseguirem chegar lá.

Há algum tempo, as propostas de empresas angolanas podiam ser 10% mais caras que as dos estrangeiros. Mas esta vantagem foi retirada.

Mas é importante encarar isso de forma diferente. Porque se, pura e simplesmente, se olha logo para os números e se diz que a proposta é muito mais cara e se retira logo esta empresa do concurso, então não vamos chegar lá. Não vamos conseguir.

(Leia o artigo integral na edição 684 do Expansão, de sexta-feira, dia 22 de Julho de 2022, em papel ou versão digital com pagamento em kwanzas. Saiba mais aqui)