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Grande Entrevista

"Enquanto a inflação estiver como está, o impacto sobre as taxas de juro inviabiliza o crescimento económico"

JOSÉ CERQUEIRA, ECONOMISTA

Embora reconheça que os preços vão baixar nos próximos meses devido à alta do petróleo, defende que a inflação vai manter-se elevada no médio prazo e que este é o principal problema da economia angolana. José Cerqueira acredita que não há debate sobre as causas da inflação.

O País tem vivido tempos sombrios em termos económicos, desde 2014 que se verifica uma depressão acentuada, que depois foi rematada com os efeitos da pandemia. Neste momento, o cenário mudou um pouco com os elevados preços do petróleo. Como analisa o momento macroeconómico de Angola?

Veio confirmar que a economia angolana é muito dependente dos estímulos e desestímulos exteriores. O preço do petróleo, principalmente por causa da guerra que a Rússia lançou contra a Ucrânia, subiu para níveis muito altos, acima de 100 USD e mantém-se, portanto, verifica-se uma entrada muito grande de dólares e uma certa reanimação da economia, que se manifesta com a valorização do kwanza sobre o mercado de câmbios. Isso veio mudar um bocado as regras do jogo.

Mas os preços dos produtos alimentares tendem a subir.

Porque quer a Ucrânia, quer a Rússia são grandes exportadores de trigo, legumes, óleos vegetais. Isso tem incidência sobre o preço dos bens agrícolas. O Governo tem-se preocupado em minimizar este impacto, está a baixar impostos aduaneiros sobre bens alimentares, está mais ou menos a controlar esse aspecto.

Angola recebeu um balão de oxigénio com a alta do petróleo?

Sim, ao nível das receitas cambiais. Mas o problema da inflação continua, nos próximos meses vai baixar por causa da intervenção do Governo, de retirar impostos aduaneiros, nos próximos três ou quatro meses a inflação de certeza que vai baixar. Mas, se a pressão inflacionista está na economia, vai voltar a manifestar-se daqui a alguns meses.

Por que considera que a inflação vai subir de novo no médio prazo?

O problema reside num mecanismo monetário alimentado pelo mercado de câmbios. Em vez dos depósitos bancários circulares, há emissão e cancelamento de depósitos bancários. O facto de se emitir kwanzas com a entrada de dólares no País é que causa a inflação, a inflação em Angola é causada pela emissão de moeda sobre o mercado de câmbios. Quando nunca deveria haver emissão de moeda nestes casos, salvo em certas operações especiais ligadas à gestão de reservas de divisas, mas são operações específicas. Em operações normais nunca deveria haver emissão de moeda sobre o mercado de câmbios. Quando as empresas petrolíferas pagam royalties e outros impostos ao Governo, fazem-no em dólares, que entram no BNA do Governo. Depois, quando vende esses dólares sobre o mercado de câmbios, cancela a emissão dos kwanzas. Mas a emissão está lá, essa emissão de moeda sobre o mercado de câmbios é a causa da inflação.

O País tem um histórico de inflação alta nas mais de quatro décadas de independência, o senhor tem vindo a falar publicamente sobre o tema nos últimos anos. Qual é a solução para resolver o problema da inflação?

A solução é mudar o sistema de funcionamento do mercado de câmbios e o BNA não emitir moeda contra os dólares que as companhias pagam ao Governo. O BNA deveria oferecer esses dólares ao mercado de câmbios. As empresas importadoras comprariam essas divisas e assim não haveria a emissão de moeda. É essa a fonte da inflação. Antes de faar da terapêutica, da solução, quero falar sobre o problema: as pessoas têm de aceitar que o problema existe, só depois de aceitar é que se verifica a abertura de espírito necessária para resolver o problema.

Ainda não há esse reconhecimento?

As pessoas reconhecem que existe um problema com a inflação, o que não reconhecem é que a inflação é causada desta maneira que descrevi. Neste momento, não há teoria da inflação em Angola. Os manuais trabalham com a hipótese de uma economia fechada e, nesse modelo, a inflação é o défice público que não é coberto com empréstimos contraídos pelo Governo, ou seja, a inflação é causada pela emissão de moeda do banco central para financiar o défice público. Isto causa inflação. Essa fonte não existe em Angola, porque Angola, neste momento, ou de há uns anos a esta parte, regista superavites, há um excedente fiscal.

Ou seja, na sua opinião esse argumento não se aplica a Angola.

Como esta justificação não serve, as pessoas ficam sem explicação, porque é a única teoria da inflação que conhecem. As pessoas que estudam estes assuntos um bocado mais profundamente sabem que numa economia aberta pode haver o fenómeno da inflação importada, que é o que está a manifestar-se em Angola - a emissão de moeda sobre o mercado de câmbios. Penso que é isto que se passa em Angola.

(Leia o artigo integral na edição 675 do Expansão, de sexta-feira, dia 20 de Maio de 2022, em papel ou versão digital com pagamento em kwanzas. Saiba mais aqui)