Empréstimos do FMI sem efeito na dívida e agravam desigualdades
Apesar das promessas no início da pandemia de aprender com os erros do passado, "o FMI está a promover políticas que têm um longo historial de exacerbar a pobreza, a desigualdade e de minar direitos", diz a Human Rights Watch, que pede ao FMI que avalie impacto de medidas de austeridade antes de aprovar empréstimos.
As condições dos empréstimos aprovados pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) aumentam as desigualdades, comprometem direitos económicos e sociais e não têm efeitos na redução da dívida pública, conclui a Human Rights Watch (HRW), num relatório divulgado segunda-feira, 25, onde a organização defende que o FMI avalie o impacto das medidas que impõe antes da aprovação dos empréstimos.
O relatório da organização de defesa dos direitos humanos, sediada em Nova Iorque, analisa os empréstimos aprovados de Março de 2020 a Março de 2023 e conclui que a "grande maioria está condicionada a políticas de austeridade que reduzem a despesa pública ou aumentam os impostos de uma forma passível de prejudicar os direitos" das 1,1 mil milhões de pessoas que vivem nos 38 países abrangidos, 22 dos quais africanos.
A HRW conclui também que as iniciativas anunciadas pelo FMI, no início da pandemia, para mitigar estes impactos "são imperfeitas e ineficazes" na abordagem dos danos. "Apesar das suas promessas no início da pandemia de aprender com os erros do passado, o FMI está a promover políticas que têm um longo historial de exacerbar a pobreza, a desigualdade e de minar os direitos", resume a HRW.
A escalada de protestos no Paquistão contra o "aumento dos custos relacionados com as exigências do FMI, a que se seguem protestos semelhantes noutros países, deve servir de alerta para o FMI antes das suas próximas reuniões anuais em Outubro", adverte Sarah Saadoun, investigadora sénior na HRW, com foco na pobreza e desigualdade.
Com o título, na tradução para português, "Ligadura num ferimento de bala: Os gastos sociais do FMI e a pandemia da Covid-19"], o relatório de 141 páginas é divulgado duas semanas antes das reuniões anuais do FMI e do Banco Mundial, que se realizam de 9 a 15 de Outubro, em Marrocos, e pela primeira vez em solo africano.
Preço da austeridade
Segundo a HRW, os empréstimos do FMI amarram os países a compromissos que põem em causa os direitos das pessoas, sem avaliar devidamente o impacto no seu rendimento.
Dos 39 empréstimos aprovados durante a pandemia, "22 programas incluem medidas para conter ou reduzir a massa salarial da função pública, geralmente através do congelamento das contratações, estabelecimento de limites ou redução dos salários". Estas medidas "persistem" apesar das orientações do FMI, aprovadas em 2007, que desencorajam os limites dos salários públicos, excepto em circunstâncias excepcionais, quando são "justificados de forma transparente".
Vinte e três programas incluem conselhos ou medidas para aumentar as receitas dos impostos sobre o valor acrescentado, um "imposto indirecto que tende a ser regressivo e a exacerbar as desigualdades, uma vez que a taxa é a mesma para as pessoas, independentemente do rendimento". E 20 programas "eliminam ou reduzem os subsídios baseados no consumo de combustível ou electricidade ou desenvolvem planos para o fazer sem investir adequadamente na Segurança Social ou noutras medidas compensatórias ou em fontes de energia limpas".
A HRW admite que a eliminação dos subsídios aos combustíveis é necessária para enfrentar a crise climática, mas, a não ser que sejam adoptadas antecipadamente medidas compensatórias adequadas, tem um "efeito particularmente grave" nas pessoas com rendimentos baixos, já que as obriga a pagar mais pelos transportes, bens e serviços ligados aos preços da energia.
A experiência do FMI de tentar compensar os danos causados pela austeridade, com medidas e programas, geralmente concebidos em colaboração com o Banco Mundial "simplesmente não está a funcionar", aponta Sarah Saadoun. E, apesar do sacrifício exigido, os programas do FMI "não são eficazes na redução do rácio da dívida pública".
A HRW aponta o caso da Jordânia, que tem tido uma série de programas do FMI desde 2012, e onde o governo, com o apoio do Banco Mundial, estabeleceu um programa de transferências monetárias, semelhante ao Kwenda em Angola, que apenas chegou a um em cada 5 jordanos que vivem abaixo do limiar da pobreza. "Pesquisas anteriores da Human Rights Watch descobriram que o algoritmo no qual o programa se baseia para seleccionar os beneficiários é arbitrário, discriminatório e propenso a erros", refere a organização, salientando que o "rácio dívida/PIB da Jordânia é agora mais elevado do que quando o FMI aprovou o primeiro programa desta série, há uma década".
Leia o artigo integral na edição 744 do Expansão, de sexta-feira, dia 29 de Setembro de 2023, em papel ou versão digital com pagamento em kwanzas. Saiba mais aqui)