"O papel do artista é criar, é produzir, é gerar pensamento e gerar conteúdo"
Dedicado a várias disciplinas artísticas, o também fundador do colectivo Verkron fala dos desafios do mercado artístico. Ao Expansão, o artista destaca a necessidade de se criarem espaços de debate e pensamento artístico.
Quinta-feira, dia 7, receberam em open studio o escultor mexicano Sergio García. Como surge essa oportunidade?
Nós temos vindo à procura durante um tempo, através das nossas viagens e não só, de tornar o Estúdio-V mais internacionalizado. O Sergio vinha para cá e estava à procura de um estúdio e, através de amigos em comum, eles entraram em contacto connosco, e basicamente surgiu daí, da necessidade do Sergio encontrar um espaço, um atelier, um estúdio, e quase não existia. Existem galerias, mas não existe espaço de pesquisa e espaço de laboratório. Surge também da necessidade de nos encontrarmos juntos num espaço de pesquisa e produção.
Um dia não é pouco para o artista interagir com outras pessoas?
O estúdio-V é o nosso estúdio, enquanto artistas. Mas nós trabalhamos sempre aqui, entretanto, de vez em quando, abrimos para pequenos open studio. Este é o segundo que fazemos, mas o nosso trabalho continua. O estúdio está aberto em Luanda, então qualquer pessoa que queira visitar pode ir apreciar. O Sergio está em residência artística cá em Angola há um mês. E, normalmente, no final das residências, os artistas fazem um open studio, que é diferente de uma exposição. É basicamente um evento fechado, isolado, diferente de uma exposição, em que o artista mostra o work in progress, em que esteve a trabalhar durante os meses da residência, por isso é apenas um dia. Mas o Sergio tem estado aqui há um mês e tem recebido várias visitas da comunidade artística. Pelo menos, de quem conhece o nosso estúdio.
Como surge o projecto Estúdio-V?
Estúdio-V é uma iniciativa do colectivo artístico Verkron. E nasce de um lugar de falta. Um lugar em que nós, enquanto artistas, sentimos que não existia, se calhar até agora não existe, o espaço para os artistas apresentarem os seus processos e suas pesquisas em andamento, nesse sentido. Porque acho que nós saímos muito de uma lógica de trabalhar no atelier e levar um produto para a galeria. Basicamente, que as pessoas vejam sempre dos nossos trabalhos, enquanto artistas, não falo só do colectivo Verkron, é o produto final, mas eu acho que nós, enquanto artistas, somos 99% processo e 1% produto final.
Então é um espaço de diálogo?
É um lugar de diálogo, um lugar para se tentar desmistificar e desvincular o produto artístico de uma ideia muito mercadológica. Porque, enquanto artistas, estamos sempre nesse lugar de pesquisa. Então o projecto veio criar um espaço para artistas, que é feito por artistas e para artistas. Sempre tivemos estúdio enquanto colectivo, mas o Estúdio-V é um espaço de exposição, não é uma galeria, é simplesmente o nosso estúdio. É basicamente um laboratório de fabulações. Existem algumas residências já a nascer em Angola. Acho que, nos próximos dois anos, nós teremos muitas residências aqui. Mas esta, em específico, é feita de artistas, pensado para artistas. E eu acho que isso torna a coisa um bocadinho particular. É muito em torno de fabulações, em torno da imaginação radical. Para nós, o importante aqui é o exercício especulativo, o exercício de imaginação.
Neste vosso espaço, há lugar para aspirante e apreciadores de arte?
O Estúdio-V, antes de ser um espaço de exposição, é o nosso lugar de trabalho, é o nosso estúdio, é o nosso dia-a-dia. O estúdio está aberto para qualquer evento para o público em geral, nos dias normais estamos a trabalhar fechados. Agora, para artistas nós estamos super abertos sempre a receber propostas, como aconteceu com o Sergio, e nós cedemos sempre espaço. Há lugar. Se o artista sentir necessidade, quiser ocupar o espaço do Estúdio-V, é só entrar em contacto connosco e, no fim do projecto, nós fazemos exactamente o que fizemos ontem (quinta- -feira), que é um Open Studio.
Que análise faz do mercado nacional das artes?
É muito pobre. Quando me fazem essa pergunta, eu gosto sempre de responder que um país que não tem um museu de arte contemporânea, basicamente quase não tem discussão sobre a arte. Não há instituições, o pouco que existe é privado, são as poucas instituições privadas, como galerias, que tentam fazer o que podem. Eu não diria que nós temos propriamente um mercado, nós temos um cenário que é feito de artistas, de um punhado de galeristas, de produtores, e é como guerrilha, acho que quase tudo que nós fazemos é guerrilha, basicamente as pessoas investirem tudo o que têm, investiram os seus tempos, sem uma garantia de retorno nenhuma.
Quando fala sem garantia nenhuma, refere-se a quê concretamente? Porque é que alguns artistas dizem que vivem da arte?
Acho que a questão é como vivem da arte? Eu posso dizer tranquilamente que eu vivo da arte, não trabalho num banco, não trabalho em nada, eu sou artista e designer gráfico, eu digo que não há retorno, não há retorno financeiro suficiente para que um artista possa dizer que "vivo dignamente da arte" e não há reconhecimento social do artista. A questão é essa, não há reconhecimento. Também, na verdade, não há uma discussão mais ampla sobre o valor do artista e o valor da cultura na sociedade angolana. Para nós, o que enxergamos como cultura é, eu diria que é uma mirada, um conjunto de signos e símbolos, muitas das vezes um bocadinho caducos, que nós observamos e interpretamos como cultura. A cultura, na minha perspetiva, é um movimento contínuo. Se formos a falar que existe reconhecimento, é aquela visão do artista precário.
O antigo edifício da Assembleia Nacional está a ser projectado para ser um espaço de arte. O que espera desse lugar?
Sinceramente, desculpe, estou por fora do que é que será exactamente. Mas seria mais proveitoso e mais digno para todos nós se assumissem um espaço como um museu de arte contemporânea, só que não existe museologia. É preciso formar pessoas, é preciso criar debates. A questão do museu não é só um espaço físico. Tudo bem que estamos a começar agora, são 50 anos de independência, mas é só um museu. Nós temos o Museu de Antropologia, temos o Museu da Escravatura, que está como está, não há peças nenhumas, mas não existe um museu de arte contemporânea.
Falta um lugar para o artista?
Se não existe um museu, não existe um debate fechado a ciclos muito restritos, a galerias, aos seus compradores, a um punhado de curadores que fazem o que podem, tal como os artistas e os galeristas, então é guerrilha. Se não existe incentivo do Estado para a arte, se não existem museus, então não existe a arte contemporânea angolana. O que existe são pequenos núcleos, pequenas células a debaterem entre si. Por exemplo, estive há um mês e meio no Brasil, no Museu do Rio, a fazer uma exposição, e ninguém sabe que eu estive lá.
Leia o artigo integral na edição 838 do Expansão, de Sexta-feira, dia 09 de Agosto de 2025, em papel ou versão digital com pagamento em kwanzas. Saiba mais aqui)