GPL recua no reordenamento do comércio e prioriza obras de reabilitação
O reordenamento do comércio informal na cidade de Luanda era o grande projecto do ex-governador de Luanda, Manuel Homem, mas agora parece que está tudo a voltar ao antigamente. Se excluirmos a zona de São Paulo, em toda a restante cidade voltou a confusão e o lixo acumulado na berma da estrada.
O Governo Provincial de Luanda (GPL), liderado por Luís Nunes, travou silenciosamente o Programa de Reordenamento do Comércio (PRC) - uma das bandeiras da anterior governação de Manuel Homem - para dar prioridade à reabilitação de estradas e largos na capital. A decisão ainda não foi oficialmente assumida, mas no terreno a alteração de estratégia é evidente. As zonas outrora intervencionadas voltaram ao cenário de desordem que marcou os anos anteriores, e as opiniões dos cidadãos mostram uma cidade dividida entre alívio e preocupação.
Ao longo das últimas semanas, o Expansão percorreu vários pontos críticos da cidade para aferir o impacto da reorientação das prioridades. O cenário observado não deixa margem para dúvidas: zonas historicamente problemáticas - Congolenses, Viana (Estalagem Km12-A), Calemba 2 e Golf 2 - exibem novamente as imagens de desordem que o PRC pretendia corrigir.
Apenas a zona do São Paulo mantém níveis de organização próximos dos verificados no período de intervenção mais intensa. A redução da fiscalização, que no passado era diária e em alguns casos agressiva, é hoje evidente. As vendedoras ambulantes, que constituíam o principal alvo das operações do PRC, confirmam a mudança. "Tudo voltou ao normal", descrevem várias delas, numa expressão que revela simultaneamente alívio e resignação perante a precariedade.
Alívio dos vendedores e a preocupação dos residentes
Na zona do Golf 2, Dona Guilhermina, vendedora de legumes e fuba de bombó, admite que a diminuição das operações fiscais foi recebida como um descanso. "Antes ficávamos aflitas, toda hora tinha fiscal, não conseguíamos sustentar os nossos filhos. Agora vendemos com mais tranquilidade, sem tanta pressão", conta, reconhecendo que, apesar de ainda existirem fiscais, "já não actuam como antes".
Contudo, a aparente vitória traz custos, a vendedora reconhece problemas de saúde associados ao saneamento precário e à exposição constante ao lixo, mas a falta de alternativas empurra-a de volta à via pública. Situação semelhante verifica- -se na Estalagem Km12-A, onde o comércio informal regressou ao estado anterior ao PRC: bancas improvisadas à beira da estrada, produtos expostos perto de contentores sobrelotados e vendedoras sentadas junto a valas abertas. Para a tia Madó, que vende peixe cabuenha e ramas, o desinteresse das autoridades na fiscalização representa um "alívio" directo. "Desde o PRC, a nossa vida estava complicada. Agora já podemos respirar e levar comida para casa, porque não vemos mais aquela intervenção agressiva", afirma.
Nos Congolenses, o quadro repete-se, desordem generalizada e presença mínima de fiscais, contrastando com o aparente sucesso da zona do São Paulo, frequentemente apontada como exemplo de que o PRC teve impacto quando aplicado de forma contínua.
Mobilidade em primeiro lugar
A mudança de prioridades no GPL é reconhecida por vários munícipes. Pedro Moreira, taxista, considera que Luís Nunes tomou a opção certa ao focar-se na reabilitação das vias. "O trânsito é caótico, os buracos tiram tempo e dinheiro. Se arrumar as estradas, já melhora muito a imagem da cidade", defende.
Para este segmento da população, resolver a mobilidade urbana é mais urgente do que reorganizar o comércio informal. Mas nem todos concordam. O professor Manuel Samuel vê na suspensão tácita do PRC um retrocesso que pode sair caro à cidade. "Na altura do antigo governador víamos melhorias reais em várias zonas. Hoje parece que voltámos ao pior. Se o comércio informal não for controlado, Luanda vai continuar desorganizada", alerta, lembrando que o comércio de rua ocupa passeios, condiciona o trânsito e cria riscos sanitários.
Um programa sem destino claro
O PRC foi lançado com o objectivo de retirar vendedores de locais inadequados, reorganizar paragens de táxis e autocarros, e combater oficinas e recauchutagens ilegais que ocupavam espaço público. No entanto, desde a saída de Manuel Homem, o programa parece ter perdido centralidade política e operacional. O Expansão solicitou esclarecimentos ao Governo Provincial de Luanda para saber se houve uma decisão formal de suspender ou adiar o PRC, ou se a mudança se deve apenas ao novo foco estratégico do governador Luís Nunes. Até ao fecho desta edição, não foi recebida resposta. Enquanto isso, Luanda vive uma dualidade, estradas a serem reabilitadas e, paralelamente, mercados informais cada vez mais presentes nas principais vias. Para uns, trata-se de uma medida pragmática, para outros, de abandono de uma política que começava a transformar a imagem da capital. O impacto desta escolha - e a sua eventual reversão - permanece por esclarecer.











