Saltar para conteúdo da página

Logo Jornal EXPANSÃO

EXPANSÃO - Página Inicial

Logo WeekendLifestyle

"Investimentos consistentes às artes marciais poderiam gerar oportunidades económicas e valorização cultural"

MESTRE KABWENHA | ARTISTA

Artista define a capoeira como uma manifestação cultural completa, mas que ainda carece de mais divulgação e valorização em Angola. Ao Expansão, Kabwenha revelou estar aberto a parcerias com instituições culturais e educativas a fim de fortalecer a presença da capoeira e das artes ancestrais angolanas.

Pratica capoeira desde 1998. Como surgiu essa paixão?

A minha paixão pela capoeira nasceu a partir da memória colectiva e da oralidade angolana. Desde cedo, ouvia os mais velhos falarem que a bassula, a kambangula e o engolo estavam ligados à origem da capoeira no Brasil. Também fui profundamente influenciado pela música e pela cultura popular. Por exemplo, a canção de Teta Lando, "De Luanda saiu capoeira e hungu, Mestre Pastinha pisou areia do Bungo". Embora saibamos que mestre Pastinha (Vicente Ferreira Pastinha, 1889 - 1981) nunca esteve em Luanda, essa música retrata a ancestralidade africana presente no Brasil. Outros artistas também marcaram esse caminho, como Bonga, que no seu álbum Raízes (1978) trouxe a música Capoeira, Berimbau/Hungu e Dikanza, reforçando a ligação entre Angola e a capoeira.

A literatura também influenciou?

Sim! Não posso deixar de mencionar as ilustrações de Neves e Sousa, especialmente no livro "Da minha África e do Brasil que eu vi", que serviram de alicerce para compreender essas práticas angolanas e suas conexões com a capoeira. Assim, a minha relação com a capoeira começou antes mesmo da prática física, nasceu da história, da música, da ancestralidade e da arte, que despertaram em mim essa paixão desde 1998.

Como define a capoeira, uma manifestação artística ou desporto?

A capoeira não pode ser limitada a apenas uma definição. Ela é, antes de tudo, uma manifestação cultural completa, que integra a arte, que expressa na música, nas canções e na criatividade dos movimentos. O desporto e a luta, presentes na disciplina física, nas acrobacias e na estratégia do combate, assim como a ancestralidade e resistência afro-brasileira que fazem da capoeira uma prática de preservação da identidade cultural. Por isso, mais do que escolher entre arte ou desporto, eu a defino como uma cultura viva, em constante transformação, que reúne todos esses elementos numa só expressão.

O seu livro é resultado de mais de 20 anos de pesquisa em várias províncias do País. Como avalia as artes marciais em Angola?

As artes marciais em Angola fazem parte da identidade e da dimensão cultural do nosso povo, assim como são ancestrais directas da capoeira. Elas não se limitam à prática física, carregam saberes tradicionais, espiritualidade e formas de resistência que foram transmitidas pela oralidade ao longo das gerações. Cada província guarda manifestações próprias, que revelam a riqueza e a diversidade da cultura marcial angolana. Ao mesmo tempo, representam uma ponte histórica com a diáspora africana, pois muitas dessas práticas viajaram para o Brasil e influenciaram a formação da capoeira. Por isso, considero que as artes marciais em Angola não são apenas luta: são património cultural vivo, com grande importância para a preservação da memória, da identidade e da valorização das nossas raízes.

Em Angola temos mercado para as artes marciais? É rentável?

Sim, existe mercado para as artes marciais em Angola. A procura está presente, mas para que esse mercado se torne realmente rentável e sustentável é necessário maior investimento do Estado e da iniciativa privada. Actualmente, o sector enfrenta desafios, como a falta de infraestruturas adequadas, programas de apoio e políticas públicas que incentivem a prática desportiva. Vivemos numa sociedade com diversos problemas sociais e, infelizmente, as artes marciais ainda não recebem a atenção que merecem. Com investimentos consistentes, tanto públicos quanto empresariais, as artes marciais poderiam gerar oportunidades económicas, inclusão social e valorização cultural, consolidando- -se como um sector rentável e transformador no país.

Vive da capoeira?

Antes de responder, é preciso perguntar: o que significa "viver da capoeira"? Se a pergunta se refere apenas ao sustento material, a resposta fica curta demais. No meu caso, não é que eu "faça" capoeira, sou composto por ela. A capoeira atravessa a minha vida como cultura, filosofia, ancestralidade e identidade; orienta meu caminho, minhas escolhas e a forma como enxergo o mundo. Viajo pelo mundo ministrando workshops e trabalhando para preservar a ligação entre a capoeira e a ancestralidade angolana. Assim, mais do que uma profissão, a capoeira é um modo de existir: viver da capoeira é viver com e por ela, no corpo, no espírito e na memória colectiva que levo desde Angola para todos os lugares por onde passo.

O que procura transmitir quando dança capoeira?

Mais do que dança ou um simples movimento marcial, aproveito aqui para partilhar o conceito de Umbangu, a arte de aproveitar o conhecimento das ciências, das experiências e da sabedoria para produzir efeitos surpreendentes de transformação. Quando me movimento na capoeira, procuro transmitir a sua africanidade. A música é parte essencial desse processo, pois em todas as manifestações culturais africanas - do nascimento aos rituais de iniciação, das cerimónias às artes marciais - a música sempre esteve presente. Na capoeira não é diferente: o movimento dialoga com os instrumentos - berimbau/hungu, ngomas, palmas e canto - criando uma linguagem corporal que vai muito além da simples ideia de "dança". Assim, o que transmito não é apenas dança, mas uma dialética corporal entre dois praticantes, um diálogo de ancestralidade, luta, música e resistência.

Leia o artigo integral na edição 844 do Expansão, de Sexta-feira, dia 19 de Setembro de 2025, em papel ou versão digital com pagamento em kwanzas. Saiba mais aqui)

Logo Jornal EXPANSÃO Newsletter gratuita
Edição da Semana

Receba diariamente por email as principais notícias de Angola e do Mundo