O teatro, sem políticas e sem mecenas, é muito difícil de se auto-sustentar
Colocou em "stand-by" os livros de direito para se dedicar ao teatro. E por meio da arte levou aos palcos a história da sua mãe (desde a descoberta do cancro até à morte). Para o encenador, a peça "O último suspiro" foi uma homenagem à sua progenitora, uma obra que lhe garantiu o prémio de melhor encenador de teatro dos Globos de Ouro de Angola. Ao Expansão, conta que foi o teatro que o salvou.
É conhecido como encenador de peças que enchem as principais salas de teatro da capital do País. Como é que define a sua profissão?
É a primeira vez que me fazem essa questão. Defino-a como a arte que me salvou. A minha profissão é o meu salvador, porque acredito que sem a arte não sei quem seria o Joel Mulemba, o director que hoje sou, porque contribuiu de forma significativa para o meu crescimento, seja ele social, "financeiro", digo entre aspas sempre, porque eu só vivo do teatro neste exacto momento. Pese embora ainda não seja aquilo que desejo, mas é neste momento a minha única fonte de rendimento e não posso ser injusto com aquilo que sustenta a minha família. Olho para o meu trabalho como a melhor coisa que eu fiz na minha vida.
Porque considera a melhor coisa que fez na vida?
Alguns não sabem, mas eu parei de estudar para me dedicar à arte, já no último ano da faculdade, curso de Direito, porque sabia que a arte me daria aquilo que hoje me deu e que tornar-me-ia aquilo que hoje sou. Então defino a minha profissão como o amor, a salvação.
Gostaria de um dia de voltar a estudar Direito e exercer?
Com certeza. Só falta um ano para terminar a licenciatura. Parei no quarto ano, porque na altura descobri que iria ser pai. Então, a dificuldade de pagar a universidade, que aqui no País é muito cara, ter de sustentar uma criança e uma mulher, então tive que fazer uma análise coerente e abrir mão dos estudos para mais tarde ir atrás desse sonho. É uma pausa que dei ao Direito.
O teatro salvou-o de alguma situação que acha que poderia comprometer a sua vida?
Claro que sim. Eu perdi a minha mãe muito cedo, e foi nessa fase que decidi entrar para o teatro, porque já bebia álcool com a idade que tinha e não era agradável, não era o caminho certo. E é também preciso aqui salientar o papel da igreja dentro da minha vida, porque começo a fazer teatro no Teatro Gospel, no grupo Elion Teatro, onde faço parte até hoje. Então esse processo todo do teatro e da igreja acabou por ser um casamento perfeito e salvar-me, porque se calhar hoje seria um outro jovem.
Quando é que começa a fazer teatro?
Comecei a fazer teatro com 15 anos.
É uma coisa que sempre fez parte de si, sempre sonhou em ser actor?
Não, não. Quando era mais novo gostava muito de kuduro, e cantava. Mas, inclino-me para a arte de representar, depois de ver os meus amigos na televisão, na telenovela nacional "Sede de Viver". Então, aquilo criou-me uma borbulha bonitinha. Depois comecei a assistir às peças de teatro do Grupo Aldalara, do Grupo Henrique Artes, e foi aí que começou a minha paixão pelo teatro.
Para além de encenar, também escreve as peças?
Sim, sim, graças a Deus, sim, escrevo. E o meu primeiro prémio a nível nacional, que é os Globos de Ouro de Angola, em 2022, foi com uma peça escrita por mim, na categoria de melhor encenador, com a peça "Último Suspiro", interpretada pela actriz Vanda Pedro.
O que é que significa para si, encenar uma peça que enche o CCB?
É um sentimento inenarrável, porque é o que digo sempre, o processo é doloroso, mas é bonito, porque acredito que tem de ter espinhos para colhermos as rosas. Acredito que esse processo todo, quando a gente vê aquela sala lotada, a satisfação do público, para nós é grandiosa, porque os projectos dão uma certa visibilidade ao teatro de uma forma que jamais foi vista.
Leia o artigo integral na edição 772 do Expansão, de sexta-feira, dia 19 de Abril de 2024, em papel ou versão digital com pagamento em kwanzas. Saiba mais aqui)