"90,8% dos professores no activo não querem ser professores e estão a abandonar a profissão"
A apenas uma semana do arranque do ano lectivo 2025/2026, o secretário-geral do Sindicato Nacional dos Professores (SINPROF), identifica os desafios e as principais dificuldades que afectam o sistema de educação e retiram a qualidade que se exige.
A uma semana do arranque das aulas, que avaliação faz ao ano lectivo 2024/2025?
Infelizmente, estamos condenados a fazer a mesma avaliação sempre que terminamos um ano lectivo e preparamos o outro. Porque continuamos com os mesmos problemas, os mesmos desafios e o sistema não tem dado as respostas necessárias no sentido de responder às insuficiências que temos. De tal forma que, ao terminarmos um ano e transitarmos para o outro, infelizmente, os problemas continuam, avolumam-se, inclusivamente, porque já encontram aqueles que ainda não foram resolvidos.
Quais são os mesmos problemas e desafios?
O professor, ou qualquer profissional, tem de ter o mínimo de condições para poder desenvolver a sua actividade. O senhor está a entrevistar-me, mas está aqui com uma equipa que criou as condições objectivas e necessárias para que a entrevista seja um êxito. Nós, enquanto profissionais da educação, também precisamos do mínimo. Estamos a dizer o mínimo. Já nem vamos falar das condições ideais, porque seria até utópico falar de condições ideais na nossa conjuntura. Utópico porque nós não notamos vontade da parte de quem é de direito no sentido de mudar o status quo. O professor, para ter o melhor desempenho na relação com o aluno, precisa ter naquele espaço da sala de aulas o menor número de alunos possíveis para que possa ter uma interacção com esses alunos.
Actualmente, quantos alunos temos em cada turma?
O regime jurídico do ensino geral estabelece 36 alunos por cada turma, ou seja, em cada sala de aula tem de haver um rácio de 36 alunos por cada professor. E nós temos nas nossas turmas, desde o ensino primário ao secundário, o dobro, o triplo, cinco vezes mais do que o estabelecido por lei. Este número que a lei estabelece até já é elevado. Se pudéssemos ter 25 alunos por turma, seria muito bom, porque o professor, para além daquela interacção em que ele ministra a sua matéria e os conteúdos para os seus alunos, precisa de andar de carteira em carteira para conversar com os alunos. O nível em que cada um absorve as aprendizagens naquele momento não é exactamente o mesmo. Há alunos em que o professor vai precisar de dedicar mais algum tempinho. E o professor não consegue fazer isso, porque trabalha com 60, 50, 80, 90, 100 alunos. O que o professor faz? Uma palestra? Um comício? Aquilo acaba sendo, sem exagero, um micro acto de massas.
Com isso, é injusto exigir qualidade de ensino?
Só podemos exigir qualidade se criarmos as condições para que essa qualidade seja verificada, seja tangível. Se eu não criar as condições objectivas para termos essa qualidade, não posso esperar grande coisa. Costuma- -se dizer que nós só colhemos o que plantamos. Se o professor não tem as melhores condições para o exercício da sua actividade, é claro que não se pode esperar um grande produto. Nas condições em que trabalhamos, mesmo que tivéssemos o melhor profissional da educação, nunca alcançaríamos os melhores resultados. Como é que um professor pode ser criativo com uma turma do ensino primário de 80, 90, 100 alunos? Numa fase em que é preciso treinar a destreza, habilidades primárias que têm de ser treinadas naquele nível. Mas, enquanto professores, temos feito o máximo que podemos no sentido do acompanhamento dos nossos alunos, para que, apesar das enormes dificuldades, consigamos ter algum resultado.
Hoje ser professor é visto como uma solução para alguém que não tem mais nada a fazer. Acredita que o governo tem desenvolvido políticas erradas que desvalorizam a profissão?
Infelizmente, em todo o mundo, esta profissão tem atraído poucas pessoas. E no nosso contexto, pior ainda, porque a profissão docente é aquela que tem à sua disposição as piores condições de trabalho e remuneratórias. Um professor doutor, tutelado pelo Ministério da Educação, que atinja o topo da carreira, tem um salário de cerca de 550 mil kwanzas. No extremo, aquele que actua no nível fundamental, o pessoal primário, não chega aos 200 mil kwanzas. E quem é que se sente atraído a entrar para uma profissão assim, mesmo que até seja uma paixão?
Apesar de ser uma das áreas que mais emprega, também é onde há mais desistência de profissionais?
90,8% dos professores que estão no activo não querem ser professores. Nós estamos a ter professores que estão a sair porque encontraram melhores oportunidades de emprego. Isto até é aceitável. Mas o pior exemplo, que demonstra realmente a pobreza da nossa profissão, é que há professores a abandonar, não porque receberam um convite de um lugar onde vão ser melhor remunerados... Há professores a abandonar a profissão porque preferem trabalhar por conta própria. Repare, quando alguém abandona o seu emprego formal para se dedicar a uma coisa, porque sabe que ali se vai autovalorizar, isso deve preocupar a quem de direito.
O investimento em educação continua muito abaixo dos 15% recomendados pela UNICEF. Que País se está a construir quando se investe menos de 8% do Orçamento Geral do Estado no sector?
O País que as autoridades angolanas querem ter. Porque se costuma dizer que aquilo que um Estado quer ter é idealizado no tipo de educação que é disponibilizado aos seus concidadãos. Se calhar, isso é propositado, para termos a educação que realmente temos. Não se faz educação de qualidade apenas por dizer. Estamos a falar de educação de qualidade e não pensar que é de qualidade. Os países que são referência ao nível da ciência, da tecnologia, do desenvolvimento multifacetado, são aqueles que ousaram investir muitos recursos na sua educação. Todos os países que não investem o suficiente na sua educação estão condenados à pobreza, ao subdesenvolvimento. É o nosso caso. Até foi muito simpático quando avançou abaixo dos 8%, actualmente estamos com 6,4% do OGE. Mesmo até esta percentagem fica muito abaixo na execução. Os instrumentos jurídicos que o governo ratificou internacionalmente apontam uma referência de investimento na educação de 20% do OGE ou o equivalente a 6% do PIB. E estamos muito longe disso, então temos um sistema de ensino com as dificuldades que realmente temos.
A qualidade que se exige está atrelada ao investimento que não existe?
É com dinheiro que se vão construir mais e melhores escolas. Estamos a falar de escolas que atendam ao protótipo de uma escola. Que têm salas em condições, com ventilação nas zonas em que há temperaturas elevadas, que tenham climatização, que tenham bibliotecas, internet, quadras polidesportivas. Tudo isso só se resolve com investimentos. Por exemplo, visite uma escola do casco urbano e verá o estado em que se encontra, agora imagine aquelas da periferia onde os alunos estudam em acampados.
É na educação básica de qualidade que se prepara os profissionais do futuro. Como avalia a atenção dada a essa etapa preliminar da formação?
Essa etapa é tão fundamental que se chama mesmo ensino fundamental. O ensino fundamental começa no subsistema de educação, com o pré-escolar, que envolve as creches, o jardim de infância. Vamos lá ver se retratamos essa pergunta com base em números. O nível de cobertura oficial entre creches e jardins de infância para esse subsistema de ensino, da educação pré-escolar, é de 11% ao nível do País. Mas, quando andamos pelas províncias, vamos perceber até que o governo já não tem jardins de infância, já não existem. Existem, portanto, creches que são tuteladas pelos privados. E quem tem condições de colocar o seu filho numa creche? Se já não temos como pagar as contas da alimentação do mês, imagine colocar a criança na creche. Muitas crianças não passam pela creche, jardim de infância e pré-escolar, vão directamente para a 1ª classe, logo, isso é uma demonstração de que realmente há pouca atenção no nível fundamental.
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