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Grande Entrevista

"Saber gerir as intrigas políticas e saber conviver com elas é uma arte"

FRANCISCO QUEIRÓS | EX-MINISTRO DA JUSTIÇA

Foi ministro nos governos de Eduardo dos Santos e de João Lourenço. Defende que não é necessário mexer no erário público, apesar das oportunidades, mas que o combate à corrupção não pode ficar apenas entregue à consciência de cada um.

Recentemente lançou um livro que explica como é ser ministro em Angola. O que é que o motivou?

Na verdade, o título é "O cargo de ministro em Angola". Inicialmente era "Como ser ministro", mas um especialista em direito administrativo que me ajudou, Dr. Cremildo Paca, aconselhou- -me a que o título fosse o cargo de ministro, por causa das características técnicas que o livro apresenta. O que esteve na base é que, ultimamente, no mandato do Presidente João Lourenço, apostou-se muito na juventude. Eu convivi muito com colegas jovens e senti as dificuldades que eles tiveram em inserirem- -se no cargo. Eu também senti, mas como eu já tinha uma experiência anterior de vida de relação com a política, ao mais alto nível, a nível da presidência, não senti tanto.

A motivação foi explicar aos mais jovens?

Senti a necessidade e a responsabilidade de fazer alguma coisa para ajudar esses novos ministros que chegam aos cargos pela primeira vez e que, sobretudo, são jovens. A ideia era ajudar os mais novos sem experiência.

Quando se chega a ministro vai-se para um mundo que é completamente diferente, para uma equipa que não é a sua. Quais são as características que as pessoas têm de ter?

De facto, chega-se a um mundo completamente desconhecido. É como entrar numa floresta e não ter bússola, não ter GPS. É completamente desconhecido. E o que refiro aqui, neste livro, é que se deve socorrer sempre das equipas que já estão no ministério.

Mas depois não acabam por ser elas a mandar nos ministros?

Não. Isso tem de se combater logo de início, porque há uma classe de técnicos que são os directores. Os directores nacionais é que conhecem a máquina, conhecem a história, conhecem os arquivos, conhecem tudo no ministério. E há, às vezes, a tendência de alguns ministros, que mudam os directores todos e pioram a situação. A minha recomendação é que trabalhem com os directores que existem e que, ao mesmo tempo, vão transmitindo o seu estilo de direcção e de liderança.

Mas há facilidade de os ministros que chegam poderem fazer mudanças nas equipas?

Há, porque o ministro é soberano, o ministro tem o poder discricionário de pôr quem quiser, porque o director, o secretário de Estado são cargos de confiança política. Então o ministro, se não sente confiança em alguém, muda. O ministro, se tiver autoridade, poder ele tem formalmente, mas se souber exercer esse poder, ele impõe a sua liderança. Claro que não é uma coisa que acontece do dia para a noite. Leva para aí uns seis meses. E nesses meses também vai observando cada um dos seus directores.

Fala-se que há ministros que quando chegam, além de trocar as pessoas, trocam de secretárias, trocam de cortinados....

Aí já se entra no campo da superstição. Há pessoas que, pela sua cultura, pelos seus preconceitos ou outros, acham que uma cadeira pode ser portadora de más energias. Ou, "eu não quero este sofá, não quero estas cortinas", mudam tudo. Eu acho que isso é levar as coisas longe demais. Que se mudem as pessoas dentro de certos limites, admito.

Mas também não há pressões políticas para que não se mexa neste director, para que não se mexa em determinadas estruturas?

Há. E, às vezes, há também recomendações.

Como é que se lida com isso?

Tem de se ter tacto político, tem de se ter autoridade e tem de se saber argumentar. Nos dois ministérios tive isso. Tem de se saber contornar. Não vale a pena entrar em choques, frontalidade a mais, não. Tem de gerir essa situação, recebe-se a pessoa, faz-se uma entrevista, etc. Às vezes, é apenas para não desagradar quem indica.

A ideia não é contratar, é apenas ouvir.

Apenas um gesto de amigo. Para que não se diga apenas não dá, não posso. Em política isso conta muito. Saber lidar com essas situações. O que é preciso é ter foco em qualquer situação. Gestão de quadros, gestão administrativa, gestão de programas, gestão de projectos, tem de se ter foco.

O ministro está sempre a prazo. O facto de pensar que pode ser exonerado a qualquer momento pesa na sua actuação?

Já foi pior. Eu sou do tempo, ainda não era ministro, mas convivia com muitos, estava a trabalhar com o Presidente José Eduardo e via a vida dos ministros. Eles passavam mais de metade do tempo a defender os cargos. Porque a sociedade acaba por ser crítica, às vezes, nos órgãos de comunicação também saem notícias, etc. E depois há o próprio ambiente político da intriga, que existe.

Existe em todos os governos do mundo.

Existe, existe em todo o lado. E há vários níveis de intriga. Saber gerir essas intrigas e conviver com elas é uma arte. A pessoa tem de ter a frieza suficiente para ouvir mas não interiorizar, e muito menos ainda cair na situação de baixar a sua moral. Essas coisas gerem-se. E é possível conviver com todas essas adversidades, mais ou menos subjectivas.

Mas não há uma ideia que é, "eu chego a ministro, pronto, agora é a minha vez"?

Essa ideia do "agora é a minha vez", foi uma cultura durante muito tempo. Não sei se ainda persiste, mas existiu. Foi apelidada da técnica do cabritismo, o cabrito come onde o amarram. Ao nível dos ministros não é tão evidente, mas acredito que ainda existam essas tendências. É preciso ter carácter, cultivar a ideia de que a responsabilidade política, a responsabilidade de servidor público exige uma certa postura, uma certa conduta ética e moral.

Leia o artigo integral na edição 844 do Expansão, de Sexta-feira, dia 19 de Setembro de 2025, em papel ou versão digital com pagamento em kwanzas. Saiba mais aqui)

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