Considerações ao regime jurídico do compliance officer no sector bancário
Subsiste um aspecto que pode comprometer a independência do compliance officer no exercício das suas funções: a questão do reporte funcional. Embora a regulamentação estabeleça que este deva reportar directamente ao órgão de administração, na prática, esse reporte é frequentemente feito a um administrador executivo. Esta situação pode pôr em causa a independência do profissional, uma vez que existe o risco de influência indevida sobre a sua actuação.
A função de compliance officer (responsável de conformidade) surgiu no direito anglo-saxónico, por volta de 1950, nos EUA, quando a Prudential Securities recomendou às instituições que contratassem advogados para monitorar a legislação de valores mobiliários - marco inicial da profissão. Em 2005, o Comité de Basileia reforçou oficialmente esse papel com directrizes voltadas para o sector bancário e para o compliance officer.
Em Angola, o regime jurídico do compliance officer no sector bancário encontrava-se regulado pelos então revogados Avisos do BNA n.º 22/12 e n.º 14/20, estando actualmente previstos nos Avisos n.ºs 02/24 e 01/22.
Este artigo de opinião propõe- -se a analisar aspectos específicos desse regime jurídico.
01. Cargo de Compliance Officer
Tendo em conta a crescente complexidade dos sistemas financeiros. Em muitos países, as Instituições Financeiras Bancárias nomearam dois Officers, Money Laundering Reporting Officer (MLRO), responsável pela prevenção do branqueamento de capitais e crimes financeiros, e o Responsável de Conformidade, que supervisiona o cumprimento regulatório geral.
Em Angola, o Banco Nacional unificou essas funções num único profissional - o Compliance Officer - conforme os art.º 35.º do Aviso n.º 02/2024 e art.º 33.º do Aviso n.º 01/2022.
Considerando a dimensão e complexidade das Instituições Financeiras Bancárias de importância sistémica, e para melhor gestão dos riscos acima referenciados, entendemos que estas deveriam nomear dois profissionais distintos: um para gerir os riscos de BC/FT/PADM e crimes financeiros, e outro para assegurar o cumprimento regulatório geral.
02. Independência
A Autoridade Bancária Europeia destaca a importância da independência do compliance officer, nas suas Recomendações sobre o Governo Interno. Em Angola, o Aviso n.º 01/22 exije que a função de compliance seja autónoma e com poderes adequados, não menciona explicitamente a independência formal do compliance officer. Isso pode gerar interpretações ambíguas, especialmente entre profissionais sem formação jurídica ou familiaridade com as matérias de compliance bancário.
Para percebemos de forma clara a independência formal do compliance officer, é necessário efectuarmos interpretação sistemática e extensiva, considerando os critérios fit and proper do BNA, nesse contexto, efectua a análise da independência da pessoa indicada para o cargo de compliance officer. Outrossim, o Aviso do BNA n.º 02/24, dispõe que o órgão de administração deve assegurar que o compliance officer exerça as suas funções de forma independente. Por fim, outros Reguladores do Sistema Financeiro, como a CMC e a ARSEG, impõem às instituições por elas supervisionadas a obrigação de nomear um compliance officer independente.
No entanto, subsiste um aspecto que pode comprometer a independência do compliance officer no exercício das suas funções: a questão do reporte funcional. Embora a regulamentação estabeleça que este deva reportar directamente ao órgão de administração, na prática, esse reporte é frequentemente feito a um administrador executivo. Esta situação pode pôr em causa a independência do profissional, uma vez que existe o risco de influência indevida sobre a sua actuação.
03. Responsabilização do Compliance Officer
Nesse contexto, surge a questão relativamente a legitimidade do BNA para aplicar sanções acessórias, especificamente à advertência, esta é sinónimo de admoestação, uma medida disciplinar prevista na LGT, assim, a previsão de advertência na Lei n.º 05/20, contraria a essência do contrato de trabalho e cria uma antinomia jurídica, usurpando o poder sancionador que, por princípio, pertence às entidades patronais e não se respeita a separação entre o poder regulador e o poder disciplinar interno das Instituições Financeiras Bancárias. Com base nas considerações efectuadas, propomos as seguintes medidas ao legislador/regulador:
■ Clarificar, de forma expressa, a independência formal do compliance officer;
■ Tornar obrigatória, nas IFB de importância sistémica, a nomeação de dois profissionais distintos: um responsável pela gestão dos riscos de BC/FT/PADM e crimes financeiros, e outro para assegurar o cumprimento regulatório geral;
■ Excluir a advertência do catálogo de sanções acessórias;
■ Determinar que o compliance officer reporte funcionalmente a um administrador independente, garantindo maior isenção no desempenho da função.
** Milton Júnior, Coordenador de Compliance
** Emanuel Manuel, Advogado