Dívidas do sector público
Depois a tradição e a postura de quem está no cimo do poder - evocando o interesse nacional não se paga à TAAG as viagens, não se paga o combustível à Sonangol, não se paga a energia à ENDE e por aí fora. Esta escadinha tem muitos anos, vem de trás, do tempo da economia centralizada, mas que a tão apregoada economia de mercado, que não existe na verdade, não alterou.
A questão das dívidas do sector eléctrico, cerca de 1,8 biliões Kz, volta a levantar o problema das dívidas em escada no sector público - a ENDE não paga à RNT, que depois não paga à PRODEL, que por sua fez não paga à Sonangol. Para se ter uma ideia, se a ministra das Finanças entregasse 200 milhões USD à ENDE, mas exigisse que esse dinheiro fosse para pagar à RNT, que depois fizesse o mesmo para esta e para a PRODEL, baixaria em 600 USD a dívida do sector. Por outras palavras, se o dinheiro não circular entre as diversas entidades, os passivos vão-se acumulando.
E isto acontece por duas razões - primeiro, existe a tradição de não pagar a quem não reclama muito e gastar o dinheiro em despesas extraordinárias e, em segundo, porque quem comanda a economia não faz suficiente pressão e uma avaliação rigorosa dos gestores públicos, para que estes se vejam "obrigados" a cumprir as suas obrigações. Também muitas vezes não podem, porque são cargos políticos, o fulano tem o cargo X no partido, é sobrinho daquele dirigente, etc., etc., etc...
Depois a tradição e a postura de quem está no cimo do poder - evocando o interesse nacional não se paga à TAAG as viagens, não se paga o combustível à Sonangol, não se paga a energia à ENDE e por aí fora. Esta escadinha tem muitos anos, vem de trás, do tempo da economia centralizada, mas que a tão apregoada economia de mercado, que não existe na verdade, não alterou. Aquela coisa que a presidência, ministros, PCAs das empresas públicas não pagam nada no seu dia a dia, tudo é oferecido, estende-se depois às próprias organizações.
Nos últimos anos tem havido uma maior consciência por parte de quem gere, mas os buracos do passado são enormes. Duas medidas são essenciais - olhar para a realidade das dívidas em escada e arranjar forma de convergir recursos para limpar balanços e, por outro, ser muito exigente no pagamento das dívidas aos gestores públicos. Impor a obrigação por ética empresarial, mas também como mensagem para o resto do País. "Ninguém gasta um kwanza em carros para os administradores enquanto a empresa ou a instituição tiver dívidas" ou "haverá responsabilização pessoal dos PCAs se as dívidas aumentarem no exercício sem que isso resulte de investimento na produção", podem ser duas ideias.
Mas existem outras, como não convidar pessoas que não têm as competências necessárias, acabar de vez com os carros luxuosos, as viagens em primeira classe ou as ajudas de custo milionárias. E também fazer uma avaliação independente da gestão pública, disponível a todos os cidadãos. E, já agora, controlar os sinais exteriores de riqueza. Objectivamente, não se pode ter alguém que ganha 3 ou 4 milhões Kz a passear relógios de 100 mil euros, sem que tenha uma boa justificação.
Aliás, esta questão da falta de controlo, da impunidade, escondeu-se atrás da cortina do "estás a perseguir-me" ou do "este não pode ser avaliado". A gestão da coisa pública exige muita responsabilidade, mas também muita coragem para chocar de frente com os interesses pessoais, corporativos e partidários.
Todos acham que não têm de dar justificações sobre as suas atitudes e, mesmo quando não cumpram metade dos objectivos para que foram nomeados, conseguem dizer que foi um sucesso atendendo às circunstâncias. E, na verdade, terá sido porque normalmente o Poder demite-os e a seguir premeia-os com mais uma comissão de serviço numa instituição ou empresa pública.