Pobreza em Angola: Um legado por rever
É essencial que as políticas públicas e os compromissos assumidos no PDN sejam avaliados com rigor, sob pena de o legado desta governação ficar marcado não pelos avanços sociais, mas pela "especialização" em fabricar pobreza e em negar a prosperidade a grande parte dos cidadãos.
A pobreza continua a ser um dos maiores desafios socioeconómicos de Angola, persistindo como um entrave central ao desenvolvimento sustentável, apesar do potencial económico do país, suportado por abundantes recursos naturais. Com este artigo, propõe-se uma reflexão fundamentada em documentos oficiais e estudos recentes sobre a evolução da pobreza e a coerência das metas definidas pelo Executivo.
1. Metas ambiciosas, resultados insuficientes Segundo o Plano de Desenvolvimento Nacional (PDN) 2018-2022, desde o início do século XXI, quase metade da população angolana teria saído da pobreza absoluta. A taxa de incidência da pobreza teria diminuído de 60% para 36%, e o Governo definiu como meta reduzir este indicador para 25% até 2022. No entanto, em 2019, os dados do Instituto Nacional de Estatística (INE) revelaram que a taxa de incidência da pobreza era de 41%, evidenciando um desfasamento entre as metas estabelecidas e os resultados alcançados - e, consequentemente, a necessidade de revisão das metas.
2. Mudança de indicadores, persistência de desafios No novo ciclo de governação (2023-2027), o Governo optou por utilizar como indicador principal a percentagem da população que vive abaixo do limiar de pobreza, calculado pelo Banco Mundial. Apesar de semelhante à taxa de incidência, este indicador mede a proporção da população com rendimento ou consumo inferior a uma linha de referência mínima. Enquanto a taxa de incidência tem um enfoque estatístico e demográfico, a nova métrica está mais orientada para políticas públicas. Contudo, em ambos os casos, a definição de metas tem sido pouco clara, dificultando uma avaliação objectiva da eficácia das políticas adoptadas.
3. Realidade económica e indicadores internacionais Em 2024, o Fundo Monetário Internacional (FMI) previa um crescimento económico de 3,4% para 2025. Com base nessa estimativa, cálculos do CEIC apontavam que, mesmo com esse crescimento, a taxa de pobreza poderia situar-se em torno de 50%. Além disso, um estudo da organização "World Poverty Clock" concluiu que a pobreza extrema em Angola aumentou 82% nos últimos oito anos: passou de 6,4 milhões de pessoas em 2016 (22% da população) para 11,6 milhões em Janeiro de 2025 (31% da população). Estes números contrastam fortemente com os compromissos políticos assumidos e revelam uma lacuna significativa entre as metas declaradas e a realidade socioeconómica do país.
4. Compromissos políticos e avaliação de resultados Espera-se que no próximo Discurso sobre o Estado da Nação, o Presidente da República apresente um compromisso político mais claro, realista e detalhado com a redução da pobreza, explicando como as políticas do Executivo estão - ou estarão - a contribuir de forma efectiva para melhorar as condições de vida da população.
É essencial que as políticas públicas e os compromissos assumidos no PDN sejam avaliados com rigor, sob pena de o legado desta governação ficar marcado não pelos avanços sociais, mas pela "especialização" em fabricar pobreza e em negar a prosperidade a grande parte dos cidadãos.