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Opinião

Quando crescer não basta!

MILAGRE OU MIRAGEM?

Depois de 50 anos de independência e 23 de paz, é legítimo igualmente alertar a governação que não é politicamente viável manter o actual nível de pobreza e desemprego juvenil num país com tamanha dotação de recursos renováveis.

Africano de Desenvolvimento (BAD) apresentou o Country Focus Report 2025 de Angola, sob o tema "Fazendo com que o Capital Natural de Angola Funcione Melhor para o seu Desenvolvimento". Embora o relatório destaque um crescimento do PIB de 4,4% em 2024, também sublinha os profundos desafios sociais que o país ainda enfrenta - nomeadamente o elevado desemprego juvenil (56,4%), a taxa de pobreza (40,6%) e a informalidade económica (80%).

Estes dados sugerem que o desafio está em transformar o crescimento numa base sólida para inclusão social, equidade e sustentabilidade.

Isto contraria a narrativa de alguns comentaristas que apressadamente decretaram o fim da crise em Angola, com base apenas na recuperação macroeconómica. A realidade é que este crescimento ainda não se traduziu numa melhoria tangível da qualidade de vida da maioria dos angolanos. Não é por acaso que continua a aumentar o número de cidadãos a procurar melhores oportunidades no exterior do País.

No que respeita aos critérios de convergência da SADC, o relatório revela que, embora o défice orçamental (3% do PIB) esteja dentro dos parâmetros, a inflação de Angola, acima dos 20%, permanece muito distante da meta. Confirma-se, assim, a tese que aqui defendemos: o combate à inflação tornou-se politicamente inevitável para o Executivo em 2025.

Convém lembrar que, segundo dados do INE, a classe de alimentos e bebidas não alcoólicas continua a ser o principal motor da inflação, o que reforça a urgência de priorizar o aumento da produção agrícola interna. Infelizmente, apesar das várias iniciativas anunciadas, a produção em larga escala de projectos originalmente financiados com recursos públicos permanece por concretizar. Referimo-nos, por exemplo, às grandes fazendas - Pedras Negras (Malanje), Sanza Pombo (Uíge), Kamacupa (Bié), Longa (Cuito Cuanavale), Camaiangala (Moxico), Manquete (Cunene) e Cuimba (Zaire) - e à subutilização de infraestruturas, como os sete perímetros irrigados (ex., Matala) ou o Canal do Cafu no Cunene.

A inércia na dinamização desses investimentos públicos representa uma oportunidade perdida para alcançar ganhos rápidos e melhorar o bem-estar dos angolanos. É incontornável: Angola precisa de um crescimento económico robusto e sustentável, capaz de fazer face ao crescimento populacional. Para tal, o relatório recomenda, entre outras medidas, uma política monetária e cambial flexível conforme a evolução da inflação, a priorização das despesas essenciais e a mobilização de recursos internos, de forma a reduzir a dependência do endividamento. A este respeito, o BAD aponta que as receitas fiscais representam apenas 18% do PIB, abaixo da meta africana de 20%, o que sublinha a importância de uma maior mobilização de receitas domésticas, especialmente num contexto de retração da ajuda externa ao desenvolvimento.

Contudo, importa fazer uma análise crítica: o mesmo relatório estima perdas anuais de 5% do PIB (cerca de 1,3 mil milhões USD) decorrentes de ineficiências na despesa pública, além de fluxos financeiros ilícitos da ordem de 1,2 mil milhões USD por ano. Diante destes números, é legítimo questionar se o foco deveria recair exclusivamente sobre a mobilização de mais receitas internas, ou se não seria mais eficaz atacar, com igual ou maior prioridade, as fragilidades na qualidade da despesa e na governação.

O volume dos fluxos ilícitos ajuda a explicar a inclusão de Angola na lista cinzenta do GAFI. Considerando que o Kwanza não é uma moeda de conversão internacional, é plausível inferir que essas operações ocorrem através do sistema bancário - o que reforça a urgência de conferir maior protagonismo à Unidade de Informação Financeira (UIF) de Angola.

Outro alerta do relatório refere-se ao uso insustentável dos recursos naturais. A riqueza renovável per capita caiu 43%, sinalizando pressões sobre florestas e pescas. Isso é preocupante já que Angola ainda não dispõe de uma indústria de mobiliário desenvolvida ou de uma cadeia industrial para a transformação do pescado.

A continuar assim, corremos o risco de continuar a assistir à exportação massiva de recursos naturais com escasso valor agregado e poucos benefícios para a economia nacional. Para que o capital natural de Angola contribua, de facto, para o desenvolvimento, o BAD apresenta um conjunto de recomendações já familiares: reforço da justiça e do combate à corrupção, fortalecimento institucional na gestão do sector extractivo, melhoria na formulação de políticas públicas e incentivo à criação de modelos de negócio inovadores.

Contudo, depois de 50 anos de independência e 23 de paz, é legítimo igualmente alertar a governação que não é politicamente viável manter o actual nível de pobreza e desemprego juvenil num país com tamanha dotação de recursos renováveis. O relatório do BAD acaba por expor sérias contradições entre o crescimento do PIB e a estagnação das condições de vida em Angola. É preciso, com urgência, fazer algo diferente.

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