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Opinião

Reforma profunda nos sistemas internacionais de comércio e finanças (I)

CONVIDADO

As reformas ao sistema financeiro internacional têm a ver com o facto de o dólar dos Estados Unidos ser a principal moeda de reserva dos países e, simultaneamente, um bem público internacional que sustenta o comércio entre diferentes economias.

As principais potências económicas e militares estão a abandonar o multilateralismo e o livre comércio, adoptando políticas mercantilistas modernas. Após a Segunda Guerra Mundial, o comércio livre prevaleceu, mas hoje observa-se um retorno ao proteccionismo, com iniciativas como a Lei CHIPS e a reindustrialização dos EUA para assegurar cadeias de abastecimento e competitividade industrial face à ascensão da China. Tarifas e políticas industriais tornam o mercado menos determinante, e os EUA privilegiam o controlo da produção local e a segurança nacional. Esta mudança afecta economias exportadoras, reduz a liquidez global em dólares e pode dificultar o financiamento de dívidas externas.

Com este artigo, não viso exprimir a minha concordância nem discordância ou vaticinar se serão bem-sucedidas estas reformas, mas partilhar o entendimento que tenho dos fundamentos destas, baseado no que retiro dos eventos em que participo e documentos que consulto.

Estamos a passar de uma ordem económica mundial baseada no multilateralismo e comércio livre, implementada pelos vencedores da segunda guerra mundial com maior ênfase para Ronald Reagan e Margareth Tatcher, para um tipo de mercantilismo moderno, implementado pelas principais potências económicas e militares actuais. Lembremo- -nos que o mercantilismo antigo foi uma teoria económica que dominou a Europa entre os séculos XVI e XVIII, época em que os reinos europeus procuravam expandir a sua influência através do comércio e da colonização. Essas potências defendiam que a riqueza e o poder de uma nação provêm do aumento das exportações e da acumulação de metais preciosos como o ouro e a prata. Para pôr em prática essa teoria, adoptaram um modelo económico que almejava alcançar um saldo comercial positivo, sustentado por políticas proteccionistas, tarifas alfandegárias e subsídios mas também pela expansão colonial para garantir matérias-primas e mercados.

Voltemos para o século XXI e equacionemos o mercantilismo moderno. O que aconteceu nos últimos oito anos? As políticas governamentais norte-americanas reduziram as pressões competitivas enfrentadas pelas empresas norte-americanas, dado que a sua sobrevivência será uma questão de segurança nacional. A Lei CHIPS, promulgada em Agosto de 2022 pelo Presidente Joe Biden, visa revitalizar a indústria americana de semicondutores, aumentar a pesquisa científica e a segurança nacional dos EUA, através da injecção de fundos públicos no valor de 52,7 mil milhões de dólares dos Estados Unidos(1). Por exemplo, na semana em que escrevo este artigo, li que o governo norte-americano estuda adquirir um interesse participativo de 10% na Intel, fabricante de processadores(2).

O papel do mercado na determinação do sucesso das empresas irá diminuir. As tarifas, a política industrial e os controlos de exportação definirão um mercado para os tipos de empresas que o governo norte-americano deseja que existam. As autoridades chinesas já o fizeram no passado e agora está em curso nos Estados Unidos da América (EUA), as duas maiores economias.

Mas afinal, por que é que os EUA reagem apenas agora? Qual é a necessidade de a maior potência económica, militar e energética optar pelo proteccionismo e mercantilismo moderno? Hoje, existe um concorrente à altura e em crescendo - a China. A ascensão desta potência asiática põe em risco a segurança nacional dos EUA e a sua manutenção enquanto principal potência naquelas três áreas. Para além disso, os componentes mais importantes na cadeia de abastecimento aos sectores da defesa e tecnológico dos EUA provêm de parceiros. Creio que uma das preocupações do EUA é confiar noutros para se poder defender a si próprio.

Como decidiram os EUA reagir? Para além da política industrial como por exemplo, a Lei CHIPS, as autoridades dos EUA estão a fazer uma reforma profunda aos sistemas internacionais de comércio e finanças, motivada pelo desejo de restaurar a competitividade da indústria americana.

No que respeita o comércio internacional, a actual configuração das cadeias de abastecimento globais, mormente as relacionadas com a tecnologia e a defesa, representa um risco para as autoridades americanas. O sector da energia não é uma preocupação dado que os EUA são os maiores produtores de hidrocarbonetos a nível mundial e exportadores líquidos. Mas a dependência de minérios críticos e semicondutores, sim. O onshoring de actividades industriais relacionadas com semicondutores, produtos farmaceuticos, equipamento militar e outros fazem parte de um processo de reindustrialização e revitalização da indústria norte-americana mas também do controlo in situ das cadeias de abastecimento. O offshoring para países melhor equipados para produzir bens e serviços mais económicos e competitivos - estratégia característica do liberalismo e da globalização outrora defendida pelos EUA- na opinião dos actuais responsáveis, não se deve sobrepor ao controlo total das cadeias de produção e abastecimento com impacto na segurança nacional dos EUA. O governo dos EUA está a empreender uma das maiores expansões de poder executivo já vistas para orquestrar a economia (Bridgewater, 2004).

Leia o artigo integral na edição 843 do Expansão, de Sexta-feira, dia 12 de Setembro de 2025, em papel ou versão digital com pagamento em kwanzas. Saiba mais aqui)

*Pedro Castro e Silva, Ex-vice-governador do BNA

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