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Opinião

Angola precisa de empregos, não apenas de trabalhadores qualificados

MILAGRE OU MIRAGEM?

Executivo angolano precisa de colocar a questão do (des)emprego no topo da agenda, mas, começando por reconhecer a incapacidade que o mercado tem de gerar postos de trabalho suficientes para absorver a mão-de-obra disponível (não qualificada, semi-qualificada e qualificada).

Neste espaço temos defendido que a questão do (des)emprego deve ocupar o topo das prioridades da governação em Angola. Contudo, o que se observa, tanto no discurso político como nas acções subsequentes, é um foco maior na qualificação da mão- -de-obra do que na resolução dos entraves estruturais que impedem a criação de empregos em número e qualidade suficientes para absorver essa mesma mão-de- -obra. A leitura que fica é a de que o Executivo acredita que, aumentando a oferta de trabalhadores qualificados, resolverá o problema do (des)emprego.

Isto remete-nos a uma reflexão que já fizemos aqui neste espaço quando explicamos que a causa do alto desemprego em Angola, fruto da nossa análise da evidência empírica, era muito mais a fraca actividade económica do que a empregabilidade! Nós temos estado a ouvir políticos e alguns fazedores de opinião a usarem mal este conceito, abrimos aqui um parêntesis para explicar que talvez seja por ser um conceito muito mais estudado na língua inglesa. Empregabilidade, de uma forma simplista, tem a ver com as competências e habilidades que um indivíduo tem que o tornam empregável, i.e., em alguém que o mercado procura e deseja.

É inegável que há défice de competências em alguns sectores em Angola, porém, o verdadeiro problema, quando olhamos para os dados do INE sobre o (des)emprego, reside na incapacidade de criar postos de trabalho para esta mão-de-obra hoje pouco qualificada. De facto, as estatísticas oficiais, como o REMPE 2020-2021, mostram uma significativa redução da actividade empresarial no período pós-Covid-19. Não é por acaso que na edição 840 do Expansão foi destaque o facto de o País ter criado apenas 585 empregos para jovens dos 15-24 anos. Isto devia preocupar a governação.

Num país em que existem 7,5 milhões de jovens (dos 15- -24 anos) e que 92,6% trabalham no sector informal, sem condições condignas e protecção social, o Executivo precisa prestar muito mais atenção, inicialmente, na remoção dos obstáculos que impedem a criação de novos postos de trabalho no sector formal da economia. Ao invés disso, o que ouvimos do discurso político, e vemos nas acções do Executivo (Decreto Presidencial N.º113/19 de 16 de Abril), é uma insistência na promoção do autoemprego. Em Angola, isto está a ser feito através da disponibilidade de kits de trabalho, sob o rótulo de "empreendedorismo", que nada é mais do que romantizar a luta que muitos cidadãos fazem para sobreviver. Ora bem, o Relatório sobre o Desenvolvimento Mundial elaborado pelo Banco Mundial em 2013 mostra que à medida que os países se desenvolvem, o autoemprego tende a diminuir, dando lugar ao emprego assalariado. A visão do Executivo, portanto, caminha contra a evidência internacional.

A execução do Orçamento Geral do Estado reforça esta contradição. Os dados da execução referentes ao I semestre mostram que persiste uma certa desarticulação no que poderia ser este processo de remoção de obstáculos. Programas como a "Construção, reabilitação, conservação e manutenção de infraestruturas rodoviárias", o "Programa de expansão e modernização do sector das águas" ou ainda o "Programa de expansão e modernização do sistema eléctrico nacional" têm uma execução acima dos 50%. Este facto deveria servir de mola impulsionadora para o crescimento da actividade empresarial privada. Todavia, programas como o PRODESI (8%) e o "Programa de fomento da indústria transformadora" (2%) que poderiam contribuir para acelerar o processo de diversificação económica, registam níveis de execução muito baixos, comprometendo os objectivos anunciados.

À luz destes factos, defendemos, como no livro "Milagre ou Miragem: Um novo paradigma para Angola", que o desemprego em Angola é hoje persistente. No longo prazo, tal como lembra Delong (2012), o desemprego persistente compromete a recuperação económica de qualquer país. Para o caso de Angola, a ausência de postos de trabalho no sector formal da economia faz com que estudantes recém-graduados não encontrem inserção no mercado de trabalho, correndo o risco, à medida que o tempo passa, de verem as suas habilidades e competências (mesmo que com qualidade duvidosa) adquiridas ao longo do seu período de formação tornarem-se obsoletas sem que delas o País e os próprios indivíduos tenham tirado proveito. Neste contexto, uma governação centrada apenas na qualificação da mão-de- -obra revela-se, assim, insuficiente e até míope.

Enfim, o Executivo angolano precisa de colocar a questão do (des)emprego no topo da agenda, mas, começando por reconhecer a incapacidade que o mercado tem de gerar postos de trabalho suficientes para absorver a mão-de-obra disponível (não qualificada, semi-qualificada e qualificada). Afinal, quando o desemprego é persistente, aumentar e melhorar a qualidade da oferta (da mão-de-obra) não resolve o problema!

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