"Criar cultura de leitura é um processo que exige tempo, mas que transforma gerações"
Com vários prémios acumulados devido à sua escrita, o vencedor da 10ª edição do prémio Sankofa Book Awards terá a sua obra adaptada por duas grandes produtoras do cinema internacional. Ao Expansão, o escritor destaca ser fundamental que haja maior incentivo governamental à indústria gráfica e editorial, reduzindo os custos de produção e investimento na educação de base, para estimular a leitura desde a infância, dentro e fora da escola.
Vencedor da 10ª edição do prémio Sankofa Book Awards. Qual é a sensação?
Receber o Sankofa Book Awards kenya 2025 é uma emoção imensa e uma honra indescritível. É como se cada palavra escrita tivesse encontrado eco no coração dos leitores. Sinto-me profundamente grato por este reconhecimento, que não vejo apenas como uma victória pessoal, mas como uma celebração da literatura africana. É uma sensação de alegria, responsabilidade e também de esperança no poder que os nossos livros têm de transformar realidades.
A presidente do júri considera o seu livro como "uma narrativa poderosa e sensível, que obriga a encarar as feridas abertas da história africana recente com uma escrita madura e humana". Que significado tem essa avaliação?
Receber essa avaliação da presidente do júri é algo que me toca profundamente. Quando escrevi esta obra, o meu objectivo não era apenas contar uma história, narrada em um romance ou em conto sei lá, mas dar voz a memórias dolorosas que ainda habitam a nossa realidade africana. Ser reconhecido como uma escrita "poderosa e sensível" significa que consegui transmitir, com humanidade, aquilo que muitas vezes é silenciado. Para mim, é um reconhecimento de que a literatura pode ser um espaço de cura, reflexão e transformação. Essa leitura crítica valoriza não apenas o meu trabalho, mas também a coragem de enfrentar as feridas da nossa história recente.
O livro também já foi vencedor do "Prémio FOX USA 2024". "O Recluso: O Princípio e o Fim de uma Injustiça" é baseado em factos reais?
O "O Recluso: O Princípio e o Fim de uma Injustiça" nasce de uma inspiração em factos reais, mas transformados pela ficção literária. A realidade ofereceu- -me o ponto de partida, mas a escrita levou-me a recriar personagens, cenários e emoções de forma a universalizar a mensagem. O livro não é uma biografia, nem um relato jornalístico, mas um romance que dialoga com acontecimentos verídicos e com feridas sociais que todos reconhecemos. O prémio FOX USA 2024 e agora o Sankofa Book Awards kenya 2025 são a prova de que essa narrativa encontrou ressonância tanto dentro como fora de África..
Com sete obras literárias e cinco prémios internacionais, que importância tem para si os prémios atribuídos aos escritores?
Na verdade, não tenho apenas sete obras literárias, mas catorze. Contudo, apenas sete foram impressas, e vendidas em Angola e na Europa. Outras aguardam por impressão e divulgação, devido às dificuldades que ainda enfrentamos na obtenção de matéria-prima para a impressão. Por isso, cada prémio que recebo tem um valor especial, porque simboliza não apenas o reconhecimento da qualidade da obra, mas também a superação de muitos obstáculos. Para mim, os prémios literários não são apenas distinções individuais eles dão visibilidade às nossas histórias, reforçam a voz da literatura africana e incentivam outros escritores a continuarem, mesmo diante das dificuldades.
Tal como a Fox mostrou interesse em adaptar a história do livro em filme, Nollywood também manifestou o mesmo interesse. Que sentimento lhe vem à alma?
Saber que a minha obra desperta interesse não só no universo literário, mas também no cinema, é uma sensação extraordinária. A proposta da FOX e agora o interesse de Nollywood mostram que a história tem um alcance universal e pode ganhar novas linguagens. O sentimento que me vem à alma é de gratidão e realização, porque ver um livro transformado em filme significa levá-lo a novos públicos, tocar vidas que talvez nunca o lessem. É como dar uma segunda vida à narrativa, mantendo viva a essência da mensagem que quis transmitir.
Já chegou a algum acordo?
Sim, já chegámos a um acordo com a maior indústria cinematográfica de África e a segunda maior do mundo, a Nollywood com sede em Londres. Depois do dia 26 de Setembro, altura em que estaremos na gala de premiação, assinarei o contrato de venda dos direitos autorais com a produtora. A minha equipa está a trabalhar em todos os detalhes, sabendo-se que, normalmente, os valores de venda de direitos literários para adaptação variam entre 100 a 500 mil dólares americanos. É um processo em curso, e espero que tudo corra da melhor forma. Quanto à FOX, também temos bons avanços. A equipa esteve em Angola em Dezembro do ano passado e já realizaram as primeiras gravações da mini-série de curta-metragem. A previsão é de que, em Dezembro deste ano, a série entre nas salas de cinema mundial, o que para mim é motivo de grande entusiasmo e orgulho.
Quanto tempo levou para escrever essa obra?
O livro "O Recluso" levou-me bastante tempo a escrever. Iniciei em 2015 e só concluí em 2020. Foi um percurso exigente, porque fiz um estudo muito aturado. Durante esse período visitei 17 estabelecimentos penitenciários em Angola e assisti a várias sessões de julgamentos em tempo real. Essa imersão foi fundamental para dar autenticidade à narrativa. Todo esse esforço culminou com o lançamento oficial da obra em 2023, na sede da CPLP, em Lisboa, o que simboliza não apenas o trabalho de anos, mas também a relevância do tema tratado. Para mim, escrever "O Recluso" foi mais do que um exercício literário, foi uma experiência transformadora.
Leia o artigo integral na edição 842 do Expansão, de Sexta-feira, dia 05 de Setembro de 2025, em papel ou versão digital com pagamento em kwanzas. Saiba mais aqui)