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Opinião

Estado da Nação: Muito discurso, pouca estratégia de desenvolvimento

MILAGRE OU MIRAGEM?

apesar de se tratar de um discurso extenso, o Presidente reconhece que os investimentos necessários para o "salto da gazela" em Angola já foram realizados. O que falta agora, em nosso entender, é o Executivo desenvolver aquilo que, na economia das organizações, se designa por capabilidade organizacional, isto é, a capacidade de fazer bem aquilo que precisa ser feito, de forma sustentável, eficiente e adaptável ao longo do tempo.

Na semana passada, tivemos a oportunidade de ouvir a Mensagem sobre o Estado da Nação de 2025. Como temos reiterado neste espaço, trata-se de um momento ímpar para escutarmos, diretamente do Titular do Poder Executivo, tal como estabelece o artigo 118.º da Constituição da República de Angola, as "políticas preconizadas para a resolução dos principais assuntos, promoção do bem-estar dos angolanos e desenvolvimento do País".

Temos assinalado repetidamente que a inflação e o desemprego devem ser encarados como verdadeiros inimigos públicos, pois empurram milhares de cidadãos para situações de pobreza, muitas vezes extrema. Da análise do texto da mensagem, observamos que a palavra "inflação" aparece apenas três vezes, e outras duas no contexto de "hiperinflação".

Já o termo "desemprego" não surge em nenhuma passagem este ano. A palavra "pobreza" aparece apenas uma vez, quando o Presidente faz referência ao Programa Integrado de Desenvolvimento Local e Combate à Pobreza. Como é habitual, realizámos a análise das 50 palavras mais frequentes na Mensagem do Presidente João Lourenço, utilizando novamente a ferramenta Tag Crowd.

Na Figura 1, observa-se que, à semelhança da mensagem do ano anterior, as palavras "nacional" (114) e "país" (91) foram as mais recorrentes, seguidas de "Angola" (56), "estamos" (54), "construção" (52) e "produção" (41).

Os dados do INE indicam que a pobreza monetária atinge 40,6% da população, o que significa que, de cada 10 angolanos, cerca de quatro não dispõem de recursos suficientes para satisfazer as suas necessidades básicas, alimentação, vestuário, transporte, saúde, entre outras. Vivem, portanto, com um rendimento inferior ao mínimo considerado necessário. Este facto, por si só, justificaria que o tema "pobreza" tivesse merecido maior destaque na mensagem presidencial. O Presidente, contudo, enfatizou as ações que o seu Executivo tem desenvolvido para aumentar a oferta de postos de trabalho.

É precisamente aqui que a estratégia governamental revela desconhecimento da história do desenvolvimento económico dos países hoje considerados ricos. O Presidente afirma, com razão, que "o emprego jovem continua a ser um dos maiores desafios de países com um perfil etário bastante jovem, como é o nosso".

A mensagem prossegue reconhecendo que "a sua abordagem é transversal, exigindo que todos os sectores da nossa economia cresçam e gerem emprego de qualidade e bem remunerado para os jovens angolanos."

No entanto, a experiência histórica dos países hoje desenvolvidos demonstra que não é possível, nem desejável, promover crescimento e emprego de qualidade em todos os sectores ao mesmo tempo. Num processo de diversificação económica, o Executivo precisa identificar dois ou três sectores estratégicos capazes de liderar esse processo.

A literatura económica, especialmente os trabalhos do economista Albert Hirschman, mostra que os sectores prioritários devem ser aqueles com fortes ligações intersectoriais, capazes de gerar efeitos multiplicadores sobre os demais. Além disso, a evidência empírica confirma que a taxa de crescimento da produção industrial está intimamente associada à taxa de crescimento económico (cf. Kaldor, 1989).

Assim, o aumento da produtividade industrial tende a elevar a produtividade dos outros sectores, agricultura, comércio, serviços e transportes, explicando a importância central da indústria transformadora no desenvolvimento económico. Infelizmente, essa não parece ser a visão predominante do Executivo angolano. Na mensagem sobre o Estado da Nação, a frase "indústria transformadora" aparece apenas uma vez, quando o Presidente menciona o crescimento de 5,15% registado no 2.º trimestre de 2025.

Importa salientar que este crescimento está muito abaixo da média africana, que ronda os 10%. Notem que se os investimentos públicos destacados na mensagem, nomeadamente nos pólos industriais (incluindo a Zona Económica Especial Luanda- -Bengo) e na agricultura, com fazendas de larga escala como Pedras Negras (Malanje), Sanza Pombo (Uíge), Longa (Cuando Cubango), Cuimba (Zaire) e Cuemba (Bié), estivessem a produzir os resultados esperados, o desempenho da indústria transformadora, apoiada pelos investimentos nos sectores de energia e água, deveria situar-se igual ou acima da média africana.

Enfim, apesar de se tratar de um discurso extenso, o Presidente reconhece que os investimentos necessários para o "salto da gazela" em Angola já foram realizados. O que falta agora, em nosso entender, é o Executivo desenvolver aquilo que, na economia das organizações, se designa por capabilidade organizacional, isto é, a capacidade de fazer bem aquilo que precisa ser feito, de forma sustentável, eficiente e adaptável ao longo do tempo.

Edição 849 do Expansão, de sexta-feira, dia 24 de Outubro de 2025

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