O teatro serve para ajudar quem grita a gritar mais alto e a ser ouvido
Naed Branco, actriz angolana, que está de regresso aos palcos, conta a sua história, a sua trajectória no teatro angolano e aborda a estreia da peça "Gritos e cantares da terra", que vai ser apresentada nos dias 6, 7 e 8 de Junho
Como iniciou essa jornada, essa paixão pelo teatro?
A paixão pelo teatro foi no tempo em que estive de férias na escola. Na altura, estudava na Alda Lara e tinha 18 anos. Lembro-me bem. Precisava fazer alguma coisa a mais. Estudava no período de tarde, também tinha algumas aulas de manhã. Mas no período da noite não fazia nada. Não sabia se era para a música, se era para o balé. Então, encontrei-me com um director de teatro na rua, Flávio Ferrão. Na altura, era só um mocinho que passava por aí todos os dias. Perguntei-lhe o que eles faziam e disse-me que era teatro. Na verdade, gritou de repente para mim e fiquei apavorada. Mas depois decidi: vou para lá um dia desses.
Esse pavor despertou-lhe inicialmente a curiosidade?
Nunca tive curiosidade. Nunca me interessei mesmo, antes disso não tinha interesse na arte de representar. Queria ocupar-me. Os ensaios eram às 18h00 e era uma rua que dava para o Colégio Henriques, junto ao meu prédio.
Quando é que foi?
Isso foi em 2005.
E quando é que sobe ao palco pela primeira vez?
Olha, em 2005 fiz uma figuração. Porque não conseguia fazer personagem nenhuma, só chorava. Logo que cheguei ao colégio para ensaiar, o Flávio Ferrão pôs-me na sala de aulas e disse- -me que tinha de aprender o teatro, a teoria. Mas a maioria dos colegas não aprendeu a teoria do teatro, mas eu tinha de aprender. Talvez por ser, na altura, uma mimosa e por não ter muita paciência. Mas hoje, com o que aprendi, estou em condição de escrever um livro de representação e de interiorização do personagem no teatro.
Foi frustrante a espera da hora para subir ao palco?
Não. Eu queria ocupação, sem muito interesse no teatro. Era perto de casa e não custava. Mas mais tarde vi algumas colegas antigas a despedirem-se, como a Karina Santos, que é cantora de referência, ou Carla Pena, que tinha recebido a proposta da Rádio Luanda, outras a viajarem. O grupo começou a ficar sem as grandes figuras femininas. O Flávio olhou para mim e disse- -me que ia fazer parte da próxima geração. Aí ele começou a apertar com mais intensidade. Depois de umas duas semanas de aprender a teoria do teatro fui ensaiar eu e uma amiga, Andreia, que desistiu a meio do caminho. Com a ajuda de colegas, como o Cadete, o Ambropolo, o Mendes Lacerda, o Hélio Taveira, a Leonete Manaças... fui aprendendo a representar, porque não sabia nada. O Flávio gritava comigo e chorava muito. Em 2006, tentei fazer uma personagem, mas não consegui, só chorava.
Era o choro das dores da aprendizagem?
Sim, as dores da aprendizagem. Houve uma vez que pensei em desistir. Havia uma colega, Dine Silva, grande actriz, que era a minha tormenta, perdia as personagens para ela, mas depois viajou para o Brasil. Foi então que subi ao palco com personagens e textos nas peças Renascer e Luanda, Meu Enigma e várias outras... ou seja, a partir desta altura, engrenei e voei. Mas depois parou.
Quanto tempo ficou fora dos palcos?
Olha, eu nunca parei para fazer as contas, mas acredito que sejam 4 anos, 5 anos.
E o que nesses 5 anos andou a fazer?
A fazer filhos. Fiz teatro durante 10 anos ininterruptos. Eram só espectáculos. Prémios. Brasil. Cabo-Verde... Ir às províncias. E o tempo voou. Quando abri os olhos para o tempo, já tinham passado 10 anos. Muita coisa aconteceu no caminho. A minha mãe morreu em 2007 e foquei-me ainda mais no teatro. Já tinha terminado a universidade neste período, tinha o meu esposo. Foi então que decidi abrandar para cuidar mais da minha vida pessoal. De certa forma, o teatro conseguiu diminuir a dor do luto? Sim. A todos nós. Porque a minha mãe era aquela companheira. Era aquela que me incentivava. Ela não faltava a uma peça. O resto da família sempre gostava que fizesse teatro. Depois da minha mãe morrer, pior ainda.
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