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"Num mundo onde todos calam, quem abre a boca é visto como herói"

MWENE VUNONGUE

O livro de crónicas "Os atongoko de um jove leberde", o segundo livro de Mwene Vunongue, será lançado no dia 16 de Dezembro, no Memorial Agostinho Neto. O primeiro livro "nasceu" em 2020, por influência dos seguidores do Facebook que sugeriram eternizar as "estórias" que partilhava na sua conta.

Tem preparado o livro "Os taongoko [assanhadice] de um jove leberde". O que será?

Depois do lançamento dos "Meus Tios e os seus atongoko", procurei bastante enquadrar-me na identidade de escrita. O que é que eu escrevo? Levantou-se muito debate, em torno do que eu escrevo, se crónicas ou contos, ou mesmo croni-contos. Inclusive houve mesas-redondas para discutir o livro em 3 perspectivas: literária, educativa e linguística. Os experts balizaram como crónicas. Porém, num estilo totalmente diferente do comum até então. Logo, sigo a mesma linha fruto das várias experiências que carrego ao longo das minhas vivências.

Vai começar os lançamentos por Luanda, por que razão?

Sim, desta vez vou começar em Luanda, só por uma questão de agendas. A data do lançamento me encontrará em Luanda, para poupar esforços, começarei em Luanda, passando pelo Huambo e terminarei onde tudo começou, no Lubango.

Este livro foi financiado? Por quem?

Não, desta vez não foi financiamento colectivo. Veio de apoios de algumas instituições, como o Instituto Superior Politécnico Sol Nascente e a Cook Man Power Lda, uma instituição do Huambo e outra de Luanda, respectivamente.

Já no primeiro livro "Os meus tios e os seus atongoko", recorreu ao apoio financeiro, juntamente com a editora Elivulu...?

Sim. O financiamento colectivo do primeiro foi um sucesso com a Elivulu. As pessoas pediram que esse segundo fosse também assim, mas preferi não entrar mais no bolso dos leitores e amantes da leitura da mesma forma (risos).

Não teria sido mais fácil com o apoio colectivo?

O financiamento colectivo seria sim mais fácil, mas o intervalo de tempo é que seria outro. No processo de financiamento colectivo tem de se depender dos contribuintes, cada um dá o que pode e no seu tempo. Entendo que o meu carisma me faça conseguir fazer com que as pessoas contribuam, mas nunca devo pressioná-los.

É o segundo livro e não parou. Pode-se dizer que ganhou o gosto pela escrita?

Sim... É o segundo livro, nem mesmo eu estou a acreditar que cheguei até aqui. Ganhei sim o gosto pela escrita de tal maneira que, quando não escrevo nada fico preocupado.

Até onde vai chegar com os "atongoko"?

Quero tornar-me numa referência para inspirar outras pessoas a escreverem coisas de forma alternativa e ganharem o seu espaço em vários lugares para coabitarem com o existente. Quero ir o mais longe que der e mostrar outras vivências da nossa escrita.

Escrever livros sempre foi uma meta ou o contexto social o levou a isto?

Nunca foi uma meta. Foi em 2020 que as pessoas pediram para eu transformar os vários escritos do Facebook num livro. Estavam cansadas de ler só nas redes sociais e, no dia seguinte, não saberem onde está aquele ou outro texto que os marcou - disseram elas. Foram também os leitores que tiveram a ideia do financiamento colectivo para fazer acontecer o lançamento da primeira obra.

É um professor que decidiu seguir o caminho da escrita?

Nunca pensei que chegaria até aqui, sendo professor de Matemática e Informática. Mas ando a ousar escrever coisas que, se calhar, poderiam estar reservadas para as pessoas da literatura(risos).

O que o fez desistir da docência?

Na verdade, tive de criar uma ruptura, porque estive a sentir-me sufocado e cúmplice do sofrimento. O MED não valoriza os seus quadros, sempre sofri e nunca se importou com um paracetamol sequer para mim ou para os meus filhos. Não é normal que os professores tenham de fazer greve sempre para ver os seus salários melhorar, isso banaliza inclusive a própria greve. Eu sofro bastante, fartei-me de trabalhar 30 dias para ganhar 176 mil Kz.

Sente saudades dos alunos?

Todos os dias abro o telefone e vou aos meus vídeos e fotografias com os meus alunos. Sinto muitas saudades dos meus alunos. Eu via a minha infância na maioria deles.

E mesmo assim decidiu afastar-se do ensino?

Infelizmente, sim. Não foi fácil tomar essa decisão.

Quem é que escreve os livros: o Mwene Vunongue ou o Manuel das Mangas? (Risos)

Olha, penso que agora podemos dizer que é mesmo o Mwene Vunongue. O Manuel das Mangas inspira o Mwene Vunongue.

É um activista que coloca limites às suas acções ou está aberto a tudo?

Nós somos um sistema enquanto pessoas nesse mundo. Por mais ilhas que tenhamos, há sempre a necessidade de construção de pontes para interligação das mesmas ilhas. Mas conheço bem as minhas agendas e os meus limites. Nem tudo é para todos mesmo.

Dai estender a mão a causas que envolvem até saúde e o desemprego?

Eu cresci num contexto onde todo o mundo foi privado de tudo, minha mãe, meus irmãos, meus tios... saúde, educação e emprego... até hoje continua assim, infelizmente. Eu faço parte do problema, sou um "stakeholder". Não sei ficar indiferente a esses problemas que até hoje afectam, a mim e os que me rodeiam. Luto até onde posso com os meios que tenho... Eu sou porque os outros são. Meu altruísmo não me permite ver tanta injusti[1]ça e fingir que nada acontece...

Já recebeu pedidos de "socorro" extraordinários?

Eu não faço nada de mais. Uso apenas a minha emancipação para fazer valer a cidadania. Infelizmente, o uso da cidadania de facto em Angola ainda é uma miragem. Já recebi pedidos de socorro de pessoas que, em condições normais, tinha de ser eu a ir lá pedir socorro. Mas eu entendo o contexto. Num mundo onde todos calam, quem abre a boca é visto como herói.