Fraca aposta na agricultura compromete combate à fome e à pobreza
Especialistas admitem que a proposta de OGE para 2026 fica muito aquém das expectativas no que diz respeito à aposta em sectores-chave. Governo dá sinais de estar a reduzir esforços nos sectores que geram emprego, produtividade e diversificação, enquanto preserva sobretudo o funcionamento da máquina estatal.
A fraca aposta na agricultura, com o corte de mais de 50% no orçamento da entidade ministerial é tida como medida que compromete os investimentos no sector com vista a mitigar os efeitos das desigualdades sociais e o combate à fome e à pobreza. Especialistas consultados pelo Expansão, admitem que sem uma aposta forte na agricultura, se está a comprometer o combate à fome e à pobrena no País.
A redução das verbas atribuídas a órgãos chave como o Ministério da Agricultura e Florestas de 544 mil milhões Kz para 248 mil milhões Kz (-54,4%), um órgão ministerial que tem a missão de formular e implementar políticas para o desenvolvimento da agricultura, é considerada uma aberração e desvaloriza um sector estratégico para o desenvolvimento da agricultura familiar, que corresponde a mais de 80% da produção alimentar no País. Outra questão preocupante tem a ver com o serviço da dívida pública, facto que limita o investimento em outros sectores, evidenciando com urgência a necessidade de se diversificar as fontes de receitas para além do petróleo, embora seja notável uma maior contribuição do sector não petrolífero nos últimos orçamentos.
O director-geral da Acção Para o Desenvolvimento Rural e Ambiente (ADRA), Justino Chiculo, entende que a presente proposta não é capaz de atender efectivamente os anseios e expectativas dos cidadãos. Prova disso é a fraca aposta no sector da agricultura, demonstrando falta de interesse em desenvolver um sector chave para o incremento da produção local e reverter as importações. "Isso demonstra que não há reconhecimento do quanto o sector da agricultura é fundamental e determinante para alavancar a economia de um país", disse, notando que desse jeito não será possível combater a fome e a pobreza sem uma aposta séria no sector da agricultura, sobretudo a agricultura familiar.
Por outro lado, a proposta de OGE 2026, que vai a votação final global no próximo dia 15, prevê um aumento nominal de 7,47 para 8,42 biliões Kz para o sector social, um aumento de 13%, mas em termos reais o sector sofre um recuo de 0,84%, equivalente a cerca de 71,6 mil milhões Kz, devido à taxa de inflação de 13,7% prevista para o próximo ano. Na prática, segundo especialistas, isto reduz a capacidade de expansão dos investimentos na educação, saúde, protecção social e no combate à fome e à pobreza.
Justino Chiculo avança que, apesar do ligeiro aumento nominal das verbas para o sector social, os valores cabimentados ainda estão muito abaixo das recomendações e convenções internacionais dos quais Angola faz parte e que comprometeu em cumprir como Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, na qual os governos se comprometem em erradicar e a pobreza.
O peso da dívida O economista Gaspar João sublinha que dada à magnitude dos actuais desafios, era inevitável que o OGE para 2026 não atendesse a todas as expectativas. Embora se observe um esforço para priorizar o sector social, entende que o peso do endividamento e a alta inflação corroem os recursos que poderiam ser alocados a áreas estratégicas como educação, saúde e o fomento do sector produtivo. Apesar do relativo reforço no sector social, o também docente universitário julga que a dotação orçamental cabimentada para este sector mostra-se insuficiente para responder à dimensão dos desafios do sector social em geral e, em particular, para o combate à pobreza.
Ademais, adianta, o corte nas despesas totais e a redução nominal do OGE 2026, que sofreu um corte de 4% face ao ano anterior, configuram claramente medidas de austeridade, cujo impacto negativo sobre o sector social será inevitável. Já o economista e investigador do CINVESTEC, Agostinho Mateus, pontua que em termos reais, grande parte da despesa sofre contracção devido à inflação prevista para o próximo ano, o que tem um impacto negativo significativo no País, afectando o poder de compra dos cidadãos, o investimento e o crescimento económico.
Por isso, Agostinho Mateus é de opinião que a proposta de OGE 2026 não atende às expectativas e aos anseios das populações quanto à mitigação dos seus problemas básicos, na medida em que, quando ajustados pela inflação, o quadro torna-se claro: o sector económico - que inclui agricultura, indústria, energia e transportes - contrai 19,53% em termos reais. Em contraste, apenas os serviços públicos gerais, essencialmente administrativos, registam um ligeiro crescimento real de 1,76%.
"Isto significa que o País está a reduzir o esforço nos sectores que geram emprego, produtividade e diversificação, enquanto preserva sobretudo o funcionamento da máquina estatal. Com isto, as expectativas de transformação estrutural ficam comprometidas", afirma.










