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Grande Entrevista

"Vejo com muito cepticismo a forma como se está a fazer a reforma tributária"

HORÁCIO MONIZ, EMPRESÁRIO

O impacto da AGT na actividade das PME"s é um motivo de grande preocupação. As condições existentes para o desenvolvimento industrial também são adversas. A defesa da produção nacional, que gera riqueza e emprego, deve ser uma prioridade.

A sua empresa é uma PME e trabalha na área da agroindústria. Começando pelo princípio, é simples ser empresário em Angola?

É muito difícil ser empresário em Angola, especialmente quando se está ligado à agroindústria. Nós temos um conjunto de etapas para cumprir que noutros países não existem. Eu acho que nós temos quatro vezes mais obrigações que tem um empresário noutras latitudes.

Apesar da agroindústria ser uma aposta do País.

Também é uma indústria recente, uma área completamente nova, mas de facto é muito difícil. Nós, para além da burocracia e do mau ambiente de negócios que temos, que é extremamente difícil, temos um conjunto de dificuldades em relação a todo o processo de industrialização. Por exemplo, nós temos que ter embalagens que não se fabricam no País e isso leva-nos uma grande parte do nosso investimento. Temos que ter stock. Não compramos uma palete, contrariamente àquilo que os nossos colegas noutros países podem fazer. Nós temos que comprar um contentor. São 24 paletes. Temos um imobilizado muito maior.

E em relação à produção?

Para a produção também temos que comprar matéria-prima em grande quantidade, congelá-la, porque temos aqui muitas das vezes dificuldade em conseguir manter um abastecimento regular. Depois temos o problema da colocação dos produtos no mercado. Nós temos em Angola um problema que tem sido recorrente: normalmente as grandes superfícies ou os nossos clientes têm prazos de pagamento dilatados. Funcionam com prazos de 30, 60, 90 dias, alguns 120, e às vezes é uma dificuldade para conseguirmos receber.

O que cria dificuldades de tesouraria.

É o problema do capital. Nós precisamos de capital a circular. Tudo isto leva-nos uma grande parte do nosso capital, que podia estar distribuído e focado no desenvolvimento da indústria, com investimento em máquinas, em melhorar a nossa capacidade de produção. Nós aqui temos muitas dificuldades.

Vamos então olhar um pouco para essas dificuldades, que me diz que são quatro vezes mais que noutros países. Comecemos pela relação com as instituições. Refere-se ao excesso de burocracia?

Temos vindo a melhorar as relações com as instituições. As instituições estão a fazer um esforço para acompanhar aquilo que são as necessidades das empresas, mas o problema é mais estrutural. Por exemplo, para nós conseguirmos exportar, se for um produto agrícola, temos que contactar o Ministério da Indústria e o Ministério da Agricultura. A comunicação entre um e outro pode demorar, no mínimo, 15 dias. A exportação fica logo dificultada, portanto, temos aqui um problema de dificuldades que não existem em outros países.

Mas o governo fala muito na necessidade de exportar.

Pois. Era necessário, de facto, haver uma integração das instituições ou um gabinete, e já se vem vindo a falar disso há muito tempo, pelo menos há dois anos, de um gabinete de exportação. Todos nós temos este objectivo de exportar, mas as dificuldades são enormes. Portanto, não estamos a fazê-lo directamente, vamos utilizando outros meios para conseguir lá chegar.

O País habituou-se a importar, que é muito mais fácil. Exportar, como nos dizia é mais complicado.

Sim, sim! Eu tenho conhecimento processos de exportação que demoraram três ou quatro meses. Nós temos que criar rapidamente esse departamento de exportação, que deve estar vocacionado para trabalhar com o empresário.

Nas últimas décadas, as instituições foram montadas no País para captar dinheiro, não para exportar produtos. Tem que haver aqui uma mudança de mentalidade.

Há um paradigma novo. E nós temos capacidade de o mudar. Vejo hoje, por exemplo, no Ministério do Comércio e Indústria, pessoas com vontade de fazer a diferença, com vontade de ajudar, pessoas com vontade de fazer coisas novas. Só que nós precisamos de fazer uma reforma da mentalidade das pessoas, uma reforma da própria burocracia. Urgentemente. Porque todos nós vamos ganhar. Vamos ter mais oportunidades, mais empregos para todos.

Com esses constrangimentos todos, conseguem ter preços competitivos para exportar?

Há aqui uma situação que nós temos que ter em conta. Nós somos capazes de ter preço e de sermos competitivos. Temos é que desenvolver mecanismos que nos permitam atingir esses valores de competitividade. Nós temos matérias-primas de qualidade, essa qualidade tem um preço, e os clientes estão dispostos a pagar. Nós temos essa competitividade disponível. O problema é que nós temos um conjunto de complicações dentro do nosso próprio sistema que fazem com que, muitas das vezes, cheguemos aos mercados mais caros que os produtores de outras latitudes.

Quando falamos em exportar produtos agroindustriais, estamos a falar dos países vizinhos, ou estamos a falar do mercado europeu e de outros mercados?

Nós temos uma receptividade muito grande e uma procura muito grande na Europa devido à diáspora, que cresceu muito. Temos também os Estados Unidos e existem empresários angolanos a exportar para aquele país. E temos uma relação aqui com os nossos vizinhos que podia ser exponenciada, coisa que nós estamos a tentar fazer. Eu estive na RDC há uns dois anos atrás para tentar colocar os meus produtos e foi difícil. A relação não é tão fácil assim, porque eles estão habituados a um país completamente diferente. Muitas das vezes também não sentem vontade de comprar a Angola. Há aqui um gap, mas nós poderíamos aproveitar e desenvolver muito mais o mercado da SADC, especialmente com a Namíbia e África do Sul.

Leia o artigo integral na edição 836 do Expansão, de Sexta-feira, dia 25 de Julho de 2025, em papel ou versão digital com pagamento em kwanzas. Saiba mais aqui)

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