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Grande Entrevista

"É preciso que os discursos político e o prático tenham alguma coerência"

WANDERLEY RIBEIRO, PRESIDENTE DA ASSOCIAÇÃO AGROPECUÁRIA DE ANGOLA

Wanderley Ribeiro pede mais realismo na elaboração de programas para o desenvolvimento da economia e alerta que há muitos casos de financiamentos que são autênticas armadilhas aos empresários. Diz que a REA não está a ser bem gerida.

A diversificação económica tem sido sucessivamente adiada. Como presidente da Associação Agropecuária de Angola (AAPA), que avaliação faz da produção nacional?

Os indicadores da campanha agrícola dizem que há mais de 10 anos a nossa área de produção não passa dos 5 milhões de hectares. Se olharmos para agricultura familiar e empresarial, a nossa produtividade está em níveis muito baixos. As importações continuam, apesar de termos reduzido de quase 3 mil milhões dólares, agora devemos estar pela metade, mas a realidade é que ainda se gasta muito dinheiro para importar alimentos.

Isto diz muito sobre a produção no país...

Estes indicadores dizem-nos que o sector não está bem, apesar de existir uma intenção política de fazer as coisas acontecer. Mas da intenção política à materialização há um espaço muito grande que precisamos trabalhar para obtermos os resulta[1]dos esperados. Vemos um País que tem tudo para dar certo a nível do agronegócio, agropecuária, mas que precisa definir uma estratégia. Felizmente, o Governo compreendeu esta necessidade e começou agora por via do Planagrão e outros instrumentos que estão a ser construídos.

O que entrava entre a intenção e a materialização?

São vários factores. Um deles são as pessoas, o homem. É preciso que tenhamos pessoas competentes se vamos implementar e falar agora de um Plano de Acção do Plano Nacional de Fomento para a Produção de Grãos (Planagrão), que se compromete em aumentar a produção em mais de 5 milhões de toneladas, que é uma quantidade muito agressiva. Temos sérias reservas de que isso sejam números alcançáveis. Temos que garantir que existem pessoas para implementar este plano.

Não existem?

Para iniciarmos agora o Planagrão tínhamos que ter começado a preparar as pessoas nos últimos dez anos, e isto não aconteceu. Existe ainda a questão dos instrumentos de fomento e apoio à produção, a começar pela ausência de um seguro agrícola. Angola está no radar dos países com altos índices de risco em relação a alterações climáticas, pragas, secas, inundações, e um seguro agrícola iria a ajudar os investidores a minimizar os eventuais prejuízos. Existe ainda a questão da gestão das terras. O processo para se conseguir legalizar é uma complexidade muito grande, e precisamos olhar também para a nossa estrutura de custos.

Porquê?

Produzir em Angola, parecendo que não, é muito caro. E é caro por causa do custo que é formado pelas nossas estradas, importação de mão-de-obra qualificada, equipamentos, infraestruturas... E depois olhamos para os instrumentos financeiros, as taxas de juros, períodos de amortização... Felizmente hoje existe o Aviso 10 do BNA que tem permitido fazer alguma coisa, mas achamos que há espaços para melhorar.

De que forma?

Temos de olhar para os instrumentos de financiamentos para que não se transformem em ar madilhas para os empresários. Porque o que temos em muitos casos são verdadeiras armadilhas. É preciso olhar para o que aconteceu no Angola Investe e os seus resultados. Por que é que teve resultados tão maus. Se não tivermos condições de avaliar e aprender com o passado teremos a fase dois do Angola Investe.

"HÁ INTERESSE QUE O DINHEIRO CIRCULE EM OUTROS MERCADOS"

A produção nacional tem qualidade para competir com produtos importados?

A justificativa muito das vezes da importação é para satisfazer também outros interesses.

Quais?

Os principais players que actuam no segmento da importação têm interesse que o dinheiro circule para outros mercados. É preciso termos aqui alguma atenção e utilizarmos alguma inteligência económica nesta operação para perceber quem de facto está a trazer os seus produtos de fora e qual o seu plano de substituição. Porque os importadores têm que fazer parte da equação do trabalho com os produtores nacionais.

Há um "esquema" da importação?

Não diria que sim. Digo que é o oportunismo da desorganização. Estamos a falar de um segmento que é apontado como o líder da diversificação económica.

Ela irá acontecer nestes moldes?

A diversificação da economia está a ser muito posta e colocada a nível da agricultura. Mas para sermos justos e sinceros, temos de fazer uma radiografia das competências. Capacidade institucional. Como está o Ministério da Agricultura e Florestas hoje para conduzir e materializar esta ideia. Como estão as nossas unidades de pesquisa e investigação. As nossas universidades, que tipos de artigos estamos a publicar em relação ao segmento agropecuária. A nossa performance tem que ser avaliada nestes moldes. Porque o que queremos é a melhoria das condições sociais, económicas, do nosso povo. Quando olhamos para os índices de pobreza, desemprego e outros indicadores sociais, entram um bocado na contramão daquilo que nós estamos a tentar construir.

Que expectativas futura tem deste sector?

O sector é extremamente promissor. Angola tem um papel de grande responsabilidade no segmento da agropecuária continental. Mas precisamos fazer o trabalhar de casa, olhar para os erros do passado e corrigi- -los de forma patriótica, colocando de lado os interesses pessoais e políticos. Fazer País acontecer para que nos possamos orgulhar de um trabalho que começou lá trás. Um trabalho de aposta no homem, pesquisa e investigação científica, mérito. Olhar também para a experiência de outros sectores, como o petrolífero, que tem sucesso. Angola tem recursos hídricos, terras, posição geográfica estratégica, mas tarda em ser uma potência. Temos de trabalhar de forma a alterar estes indicadores.

(Leia o artigo integral na edição 704 do Expansão, de sexta-feira, dia 09 de Dezembro de 2022, em papel ou versão digital com pagamento em kwanzas. Saiba mais aqui)