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Opinião

O vazio dos conceitos: Sintoma de uma crise intelectual

CONVIDADO

O problema dos conceitos não é apenas uma questão teórica, é um reflexo da qualidade do nosso pensamento e da nossa sociedade, o que permitirá ter em Angola, não apenas jovens certificados/outorgados, mas com a qualidade que constrói uma República com que os nossos pais sempre sonharam.

Vivemos numa era marcada pela abundância de informação, onde a juventude e o meio académico enfrentam um desafio paradoxal: apesar do fácil acesso ao conhecimento/informação, a compreensão profunda dos conceitos fundamentais está em declínio. A questão não se resume à ignorância dos analfabetos, a questão é maior, pois reside na ignorância daqueles que ousadamente se apresentam como académicos, (os Drs ) aqueles que dirigem instituições, fazendo destas, também, ignorantes. É a promulgação da ditadura da ignorância, uma apropriação fragmentada e, muitas vezes, superficial dos conceitos essenciais à construção do pensamento crítico e da cidadania.

Os conceitos são os alicerces da linguagem e do pensamento. São instrumentos que nos permitem organizar o ecossistema, comunicar ideias, debater e inovar. No entanto, quando utilizados sem rigor ou entendimento, tornam-se cascas vazias, prontos a ser manipulados ou distorcidos. Palavras como "liberdade", "cultura", "identidade", "cidadania" "Phd" ou escritor circulam com frequência no discurso quotidiano e académico, mas quantas vezes são verdadeiramente compreendidas em toda a sua complexidade histórica, linguística, filosófica e contextual? Obviamente, pouquíssimas.

A juventude contemporânea, onde me incluo, imersa em redes sociais e plataformas digitais, é treinada a reagir mais do que a reflectir, talvez daí resida a frase "Deus desperdiça a juventude nos próprios jovens". O pensamento conceptual exige tempo, introspecção e diálogo, qualidades em desuso numa sociedade despreparada para um mundo orientado por estímulos rápidos e opiniões polarizadas. É frequente ver jovens a defenderem ideias complexas com base em frases feitas, memes ou vídeos curtos, sem que haja uma construção sólida do conceito por detrás da opinião, como diz uma amiga não se faz ciência com achismos, para piorar abandonou-se o estudo minucioso da literatura, da filosofia e das ciências antigas.

No meio académico, o problema manifesta-se de forma diferente, mas não menos grave. A especialização tem estado a levar muitos investigadores a aprofundar excessivamente os seus campos, (com obras até publicadas) em detrimento de uma visão mais abrangente e integradora. A linguagem torna-se hermética, e os conceitos, ao invés de esclarecer, obscurecem. Muitos académicos parecem esquecer que o verdadeiro rigor conceitual reside, não apenas na complexidade, mas também na capacidade de comunicar ideias complexas de forma inteligível, ou seja, a ciência deve dialogar com ela mesmo, pois ela é sistémica.

Contudo, a ausência de clareza conceitual tem consequências práticas e éticas. Em contextos sociais e políticos, a má compreensão de conceitos pode levar à manipulação ideológica, à polarização e à degradação do debate público. No ensino, prejudica a aprendizagem, fomentando uma cultura de respostas decoradas, em vez de raciocínios rigorosos e estruturados, o que adia cada vez mais a afirmação dos mesmos, bem como se produz académicos sem o arcabouço necessário que permite a construção de uma nação cada vez mais forte, incluindo das instituições de ensino no panorama nacional e internacional.

É urgente repensar a forma como se ensina e se discute conceitos, tanto no ensino básico como no superior (aqui o problema é mais grave, pois discute- -se a qualidade dos professores e do próprio sistema de ensino). A valorização do debate aberto científico e sem os tabus políticos, da leitura crítica, do exercício da redacção criativa e da interdisciplinaridade pode ajudar a resgatar o valor do pensamento conceitual. Por outro lado, tanto os jovens como os académicos devem ser incentivados a questionar e a reconstruir os conceitos, mantendo um equilíbrio entre profundidade e clareza, sem a arrogância dos títulos nem das Instituições.

O problema dos conceitos não é apenas uma questão teórica, é um reflexo da qualidade do nosso pensamento e da nossa sociedade, o que permitirá ter em Angola, não apenas jovens certificados/outorgados, mas com a qualidade que constrói uma República com que os nossos pais sempre sonharam. Se queremos formar cidadãos críticos e académicos relevantes, é fundamental recuperar o respeito pelo conceito não como uma abstracção árida, mas como instrumento vivo e essencial para compreender e transformar Angola.

*Fernando Katchingona, Advogado, jurisconsulto em matérias jurídico-empresariais

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