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Opinião

"Uns são mais iguais do que os outros"

CONVIDADO

Cléusio Castro, advogado, escreve sobre a diferença de tratamento nos media e por parte dos governos dos países mais ricos da guerra da Ucrânia e de outras que acontecem em outras partes do mundo.

Nos últimos tempos, notou-se, de forma gritante, uma onda de notícias sobre a invasão da Rússia à Ucrânia, tanto que, de jornal a jornal, quer seja televisivo, radiofónico quer impresso, o assunto do momento é a invasão da Rússia à Ucrânia, ou melhor, a guerra na Ucrânia. Como corolário disso, houve uma torrente de solidariedade mundial em todos os âmbitos da vida pública internacional, quer seja a nível político, económico, quer seja desportivo e social.

No entanto, a nível político, vários são os países que condenaram a acção russa contra os ucranianos, o que afectou significativamente as relações da Rússia com outros Estados da comunidade internacional. Do ponto vista económico, alguns países deixaram de exportar certos bens e serviços para a Rússia e congelaram as contas bancárias de empresários russos em alguns países.

A nível do desporto, fizeram- -se demasiados protestos de vária índole, como, por exemplo: um minuto de silêncio pela guerra na Ucrânia, antes do início de qualquer partida de futebol com cartazes com a seguinte epígrafe: "No war", que significa "não à guerra". Por outra, alguns jogadores de futebol, sobretudo ucranianos, quando estivessem a celebrar golos, manifestavam- -se com dizeres na camisa interior com o mesmo teor. Há notícias de jogadores e treinadores ucranianos que tiveram de deixar as suas equipas de modo a juntarem-se ao exército do seu país.

Em nosso entender, obedeceram à máxima segundo a qual "a Pátria não implora, ordena!" Diante da falta de decisão da Federação Internacional de Futebol (FIFA), as federações polaca e sueca decidiram anunciar, a 26 de Fevereiro do ano em curso, a recusa de enfrentar a selecção russa, no final de Março, nas semi-finais da repescagem para o Mundial do Catar-2022. E, para piorar o quadro, a FIFA e a UEFA, em nota conjunta, excluíram as selecções russas masculina e feminina das competições internacionais. O milionário russo Roman Abramovich, proprietário do Chelsea Futebol Clube, de inglaterra, também sofreu as consequências, pelo facto de a Rússia invadir a Ucrânia e por ser conhecido como amigo muito próximo do Presidente russo, Vladimir Putin. Assim sendo, em função desta situação viu-se obrigado a vender o clube inglês e, de forma a demostrar que não está a favor da guerra, decidiu criar uma instituição de caridade para servir de apoio às vítimas da guerra na Ucrânia.

A nível social, houve várias manifestações em diversos países da Europa, como, por exemplo em Lisboa, Berlim, Roma, San Petersburgo, Praia, Londres, etc. Se, na arena internacional, todos os Estados são iguais, por que razão há este tratamento desigual? Diz a Carta das Nações Unidas, no seu n.º 1 do artigo 2.º, que "...o princípio da igualdade soberana de todos os Estados membros" tem como pano de fundo tratar igual as situações iguais, tratar desigual o que é desigual na medida da sua desigualdade.

Entretanto, sem incorrer na leviandade de dar a verdadeira resposta, é mister trazer aqui à baila algumas situações que nos vão ajudar a dar a devida resposta a essa questão. Em 2011, a Líbia estava em guerra civil e foi invadida por determinados países, como Estados Unidos da América, França e Reino Unido, que intervieram na guerra civil, apoiando a oposição do país que tentava derrubar o governo de Muammar Kadhafi, violando, assim, um princípio do direito internacional público, que é o da não interferência nos assuntos internos de cada Estado, que evidencia violação da soberania da Líbia.

Na altura, a Rússia, num comunicado do porta-voz do Ministério das Relações Exteriores, Alexandre Loukachevitch, lamentou a intervenção armada estrangeira na Líbia. Diante desses factos, não houve por parte da comunidade internacional represálias aos Estados invasores. Do mesmo modo, aconteceu na Faixa de Gaza na Palestina.

Neste sentido, um jogador de futebol palestino, a celebrar o golo, fez um cartaz a solicitar que parassem com a guerra no seu país, mas, infelizmente, a FIFA respondeu dizendo que o futebol não se mistura com a política. No mesmo diapasão, vários são os países que sofrem com a guerra em África, quer seja guerra civil, quer por invasão de outro país, e não tem havido qualquer corrente de solidariedade de modo a ajudar a pôr fim à guerra.

No entanto, diante desses factos, podemos dizer, com certa precisão, que quando se trata de um país do Ocidente a solidariedade é em todas as esferas, o que demonstra de forma grosseira que uns são mais iguais que os outros, na medida em que o tratamento não é igual quando o país invadido é africano ou asiático.

Por conseguinte, se o Estado invadido for do velho continente a envolvência dos Estados é maior, abrangendo assim, até, a maior parte dos países, que se vão manifestando em todos os campos, desde, político, económico, social e desportivo.

Aproveitamos, no entanto, para chamar à colação o caso da Covid-19, dado que, quando iniciou a pandemia só se tornou viral quando chegou à Europa, sobretudo, quando diversas pessoas morreram em Itália. Assim sendo, a comunidade internacional começou a dar valor à existência da doença, ao passo que quando esteve apenas na China o mundo não ligava.