Questões pontuais em torno do regulamento sobre a Janela Única de Concessão de Direitos Fundiários
Este procedimento consolida o disposto no artigo 60.º da LT e consiste na segunda solução que irá contribuir na resposta de diversos problemas que actualmente enfrentamos, em que muitos titulares de direitos fundiários não terão registado as suas aquisições. Todavia, com o registo prévio no respectivo cadastro será possível a publicidade do direito fundiário a todos os interessados sobre o presumível titular.
Vimos publicado no dia 16 de Abril do presente ano, no sítio do jornal oficial da República de Angola (Diário da República, 1ª série), o Decreto Presidencial n.º 84 25 que aprova o Regulamento sobre a Janela Única de Concessão de Direitos Fundiários, um diploma que procura traduzir a celeridade administrativa no que à concessão de direitos fundiários diz respeito, criando uma plataforma electrónica (Janela única de Concessão de Direitos Fundiários) que simplifica os procedimentos para a concessão ou transmissão de direitos fundiários diante das entidades competentes.
Contempla uma série de princípios fundamentais de todos os opostos aos previstos na Lei n.º 9/04, de 9 de Novembro (Lei de Terras, adiante LT), como: princípio do contacto único, princípio da relação oficiosa entre os serviços públicos, princípio da celeridade do procedimento, princípio da declaração única da informação, princípio da implementação gradual e o princípio da desmaterialização. Muitos destes princípios amplamente conhecidos e dissecados em sede da doutrina jus-administrativa e nos respectivos diplomas, com particular realce para o nosso Código do Procedimento Administrativo (adiante, CPA).
O regulamento em análise, no seu artigo 5.º, considera três objectivos da concessão de direitos fundiários, nomeadamente: a) adequado ordenamento do território e correcta formação, ordenação e funcionamento dos aglomerados urbanos; b) protecção do ambiente e utilização eficiente e sustentável das terras; c) prioridade do interesse público e do desenvolvimento económico e social. Estes objectivos encontram-se amplamente desenvolvidos entre os artigos 15.º, 16.º e 17.º todos da LT.
Uma grande inovação do regulamento consistiu na consagração expressa e inequívoca dos limites mínimos e máximos das competências da administração municipal para a concessão ou transmissão de direitos fundiários (n.º 3 do artigo 6.º). Este assunto era no direito pátrio considerado como uma vexata quaestio, que fez correr alguma tinta na doutrina e, neste sentido, vale em primeiro lugar, referenciar o professor (Eduardo Mendes Simba, 2019) que orientava a interpretação dos ns.º 1 e 2 do artigo 43.º da LT nos seguintes termos: 1. Nos terrenos urbanos: (i) até à área de 2 hectares na zona urbana; (ii) até à área de 5 hectares na zona suburbana. 2. Nos terrenos rurais, áreas de 2 hectares até 1. 000 hectares.
Em segundo lugar, o professor (Eugénio Salesso Ribeiro, 2019), que também aponta a falta de clarificação do legislador nesta matéria, numa interpretação inicial de acordo com a al. g) do n.º 2 do artigo 45.º da já revogada Lei n.º 17 10, de 29 de Julho (Lei da Organização e Funcionamento dos Órgãos de Administração Local do Estado), alega o seguinte: excedendo ou não os mil metros quadrados, desde que não exceda os dois hectares nas áreas urbanas, os cincos hectares nas áreas suburbanas e os 10 mil hectares nas áreas rurais. Portanto, em termos de lege ferenda, somos de opinião que se transfiram também competências às administrações comunais para a concessão ou transmissão de direitos fundiários no sentido de consolidarmos ou efectivarmos o princípio da descentralização administrativa.
Uma outra grande novidade deste regulamento foi a eliminação de certas fases do procedimento comum para a concessão de direitos fundiários previstas no Regulamento Geral de Concessão de Terrenos, a saber: a demarcação provisória, publicidade do pedido de concessão, processamento do incidente, demarcação definitiva, requerimento inicial e a instrução. O legislador andou bem ao eliminar estas fases, pois demonstra claro sinal de desburocratizar o procedimento de concessão de direitos fundiários no sentido de o tornar acessível e permissível possível, efectivando o princípio da simplificação e celeridade procedimental previsto no artigo 40.º do CPA.
Finalmente, o regulamento traz dois aspectos que consolidam algumas normas da LT (artigos 60.º e 67.º), e que consideramos soluções eficazes dos problemas práticos actuais referentes aos conflitos de direitos fundiários. Veja-se: primeiro é a consulta ao tombo geral da propriedade (artigo 15.º), segundo é o registo predial e cadastral e a entrega de documentos (artigos 20.º e 21.º).
A consulta ao tombo geral da propriedade é o procedimento que a Direcção Municipal de Gestão Urbanística ou serviço municipal equivalente efectuará, remetendo o processo oficiosamente ao IGCA para aferir a existência de concessões anteriores sobre o terreno, evitando, assim, as sobreposições de direitos fundiários. E, em nome do princípio do Contacto Único e conforme disposto no artigo 21.º (entrega de documentos) do regulamento, que "os serviços da entidade concedente devem entregar ao titular do direito fundiário todos os documentos emitidos no processo de concessão fundiária, num único momento, nomeadamente o contrato de concessão de direito fundiário, a matriz predial, a certidão cadastral e a certidão do registo predial".
Este procedimento consolida o disposto no artigo 60.º da LT e consiste na segunda solução que irá contribuir na resposta de diversos problemas que actualmente enfrentamos, em que muitos titulares de direitos fundiários não terão registado as suas aquisições. Todavia, com o registo prévio no respectivo cadastro será possível a publicidade do direito fundiário a todos os interessados sobre o presumível titular.