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Opinião

PLANAGRÃO (parte I)

CHANCELA DO CINVESTEC

O objectivo estratégico deve ser claro, não se devendo misturar com questões conjunturais, como as decorrentes da guerra na Ucrânia. A opinião de Heitor Carvalho e José Carlos Bettencourt.

Estando a capacidade de importação dependente do preço e produção de petróleo e gás; prevendo-se um contínuo declínio da produção, pelo esgotamento dos recursos, sobretudo de petróleo; sabendo que os preços dependem exclusivamente de factores do mercado mundial que não controlamos; é fundamental reforçar a nossa soberania económica, reduzindo a dependência das importações dos alimentos básicos de que a população não pode prescindir.

O aumento da produção de grãos aparece, assim, como um factor de garantia da soberania alimentar, reduzindo a pressão sobre o mercado cambial que é a principal causa de inflação (e deflação) no país. Nestas condições, o objectivo geral do PLANAGRÃO deveria ser exclusiva e claramente - O AUMENTO DA OFERTA DE GRÃOS NO MERCADO NACIONAL.

Os principais problemas do PLANAGRÃO são: as zonas de implementação e a definição voluntarista de metas sem ter em conta o custo e o conhecimento.

Zonas de implementação:

A decisão de uma aposta no Leste de Angola parece-nos desajustada, precipitada e demasiadamente ambiciosa. Fazer depender o aumento da produção de grãos de um investimento nas províncias do Leste é algo sonhador. A baixa produção de grãos não tem, em absoluto, nenhuma relação com a localização geográfica. Tem a ver, sim, com muitos outros factores que aparecem de forma desgarrada ao longo do documento.

Esta região não tem experiência de produção de grãos, nem vias de comunicação e as que existem estão em muito mau estado e são demasiado distantes dos principais mercados, exigindo elevados custos de armazenamento e transporte, em detrimento das zonas litorais e dos eixos Luanda-Malanje, Huíla-Benguela- -Huambo-Bié e Cuanza Sul com maior tradição destas produções, acessos mais fáceis, capacidade de armazenamento ociosa e experiência acumulada. Apesar de pensarmos que deveria ter sido feito na fase de elaboração do plano, ainda é possível fazer, elaborar, para cada macro localização, o seguinte estudo detalhado, que deverá condicionar a sua operacionalização:

em que estado se encontra a clarificação da posse da terra e quanto custará o registo e a solução de conflitos;

o estado das vias de comunicação e o custo da sua reabilitação e operacionalidade anual; descrição técnica da adequação dos solos a este tipo de produções;

o estado das estruturas de comércio e transporte existentes e o tempo necessário para se atingir uma cobertura adequada;

a existência de facilidade de instalação de uma rede de serviços que incen[1]tive a produção; a cobertura com serviços bancários;

o conhecimento e experiência de produção da macro localização;

a proximidade dos serviços de apoio do Estado existentes, etc.

Teria sido necessário decidir em função das melhores condições, com base na zonagem agrícola e não de outros objectivos, como o desenvolvimento regional que, sendo muito importante, não cabe no âmbito deste plano e o desvirtua. Para isso, devem fazer-se planos regionais que possam beneficiar deste plano nacional à medida que forem desenvolvidos e não ao invés. Ainda é possível corrigir!

Condicionar o PLANAGRÃO à criação e manutenção das infraestruturas que nunca funcionaram regularmente e a um deficit de experiência e conhecimento dos produtores da região Leste é colocar em perigo o plano.

Condicionar o desenvolvimento da zona leste a um tipo de produção que não está nas suas tradições de produção e consumo pode condicionar o desenvolvimento daquelas regiões.

Sem qualquer dúvida, os eixos rodoviários para leste e as linhas de caminho-de-ferro de Benguela e de Moçâmedes são absolutamente essenciais e não devem estar condicionadas nem ao PLANAGRÃO nem aos eventuais planos de desenvolvimento regional: são um imperativo próprio.

Metas

O plano deve focar-se na produção de valor. É necessário que o projecto produza valor acrescentado (salários e lucros) positivo e que o sacrifício correspondente ao objectivo de soberania alimentar e de redução das importações seja justificado. Esta perspectiva do valor é totalmente omissa do plano. Para as metas do plano devem listar-se, de forma exaustiva, todas as condições necessárias, os custos para o Estado, a produção, os preços e outros indicadores técnicos (produtividade por ha) históricos (pelo menos 5 anos) e futuros (apresentados com detalhe anual), culminando com a apresentação do valor acrescentado (resultados incrementais em valor menos custos) que constitui a justificação do plano. Ainda é possível corrigir!

Os números apresentados, quanto ao aumento de área e aumento de produção, não estão de todo suportados pela necessidade de insumos. É inconsistente, quando se pretende aumentar a produção e consequentemente a produtividade, sem o correspondente cálculo dos fertilizantes, sementes e inclusivamente calcário para a correcção de solos. A título de exemplo, a quantidade de fertilizantes necessários por ano corresponde a mais de 230 mil toneladas e sementes a mais de 20 mil toneladas. Estes são valores muito superiores aos que hoje se consomem numa campanha agrícola.

A cadeia de abastecimento destes insumos teria de ser cuidadosamente detalhada. Outra questão a considerar seria a dificuldade de transporte destes insumos até ao Leste; só para os fertilizantes seriam necessários mais de 6.500 camiões de 35 toneladas, deslocando-se mais de 1.000 Km. Aos preços de hoje, estamos a considerar para o primeiro ano um esforço financeiro que ronda os 200 milhões de dólares e para os 5 anos quase mil milhões, somente para dois tipos de fertilizantes, sem custos de logística interna.

No caso de sementes, os valores rondam os 25 milhões por ano, ou seja, mais de 123 milhões de dólares nos 5 anos, somente para milho, soja e arroz. Nesta contabilidade deveremos acrescer, a estes, os custos com fitofármacos, máquinas e implementos agrícolas, sistemas de rega, transporte, etc....!

Um dos dados fundamentais para se traçar um plano deste tipo tem a ver com os mercados. Impõem-se as seguintes perguntas, quanto consumimos? Como consumimos? Onde consumimos? Num exercício muito simples, tendo em base os consumos per capita utilizados pelas organizações internacionais, facilmente chegaremos à conclusão de que estes consumos aqui são exagerados e estão fora de contexto. Por exemplo, as projecções de consumo propõem um consumo global de grãos a rondar os 250 kg per capita/ano (2021), o que nos parece um exagero.

Mais importante do que tudo, é perceber que a produção se faz de saber e experiência. Não basta atirar com dinheiro para cima do problema e preparar uma terra para fazer arroz! É preciso saber fazer arroz! Se hoje temos pessoas que fazem arroz em 3 mil hectares, como vamos multiplicar esse conhecimento para fazer 600 mil? Importando conhecimento? Pode ser, mas teremos de motivar os estrangeiros a vir para uma fazenda isolada, onde não há energia, rede de saúde, escolas, comunicações, divertimentos, nem sequer bens; onde se a TV avaria se fica sem nenhum contacto com o mundo por mais de um mês, etc.

Se é difícil, nestas condições, manter os natos da terra, pior será para quem está habituado a outro nível de vida. Só se o salário ou o lucro forem tão grandes que valha a pena; mas aí lá se vai o benefício da produtividade. Passar de uma produção de 230 mil para 330 mil ha no milho (+43%) é difícil; passar de 3 mil para 600 mil ha no arroz (+20.000%) é absolutamente impossível.

Criar estruturas para tornar possível a preparação de terras, o escoamento da produção, o investimento do agricultor e tudo o resto, não havendo mão-de-obra com conhecimento e tradição para suportar essas metas, será um desperdício de dinheiro desastroso!