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Grande Entrevista

"Os governos precisam de ter uma visão clara do que pretendem ser"

PAUL AKIWUMI, AGÊNCIA DA ONU SOBRE COMÉRCIO

O director para África e de Programas Especiais da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (CNUCED), Paul Akiwumi, defende que é urgente desenvolver o comércio intra-africano e apostar nas novas tecnologias para desenvolver os sectores tradicionais.

A CNUCED, em parceria com a União Europeia, está a desenvolver programas específicos para desenvolver o comércio e outros sectores relacionados. É a sua primeira vez em Angola? Visitou outras províncias, outras cidades fora de Luanda?

Já estive em Luanda várias vezes, infelizmente ainda não visitei outras províncias, mas o trabalho que estamos a fazer em Angola não é para as pessoas de Luanda. Penso que isto é algo novo. Estamos a atacar os problemas fora de Luanda, porque nem todos os problemas estão na cidade capital. Penso que é importante olhar para o lado económico, por isso identificamos o comércio, a produção de bens e os serviços. São actividades que têm a habilidade de produzir efeitos, não apenas nas capitais, mas em todo o país. Angola pode ter uma vantagem comparativa ao focar-se em novos sectores, diversificar a economia e desenvolver o comércio, não apenas globalmente, mas também com os países vizinhos. Quando olhamos para os países europeus, os seus parceiros-chave estão na Europa.

Tem lógica, é mais fácil conhecer e lidar com o meu vizinho do que com alguém que vive do outro lado do mundo.

Absolutamente, em África o olhar tem sido sempre para fora do continente, para os EUA, União Europeia (UE) e Ásia. Mas agora, com a Zona de Comércio Livre Continental Africana (ZCLCA) e os seus 1,4 mil milhões de consumidores, África precisa de capitalizar estas oportunidades.

Por vezes, para chegar a Brazzaville é necessário passar por Joanesburgo, Addis Abeba. E, às vezes até, por Paris ou Lisboa.

Isto são questões fundamentais. Procuramos melhorar na agricultura, na produção de café, mas também estamos a potenciar a criação de plataformas lo[1]gísticas. Neste momento, as cadeias logísticas de Angola estão apenas focadas no petróleo. Mas, se investirmos seriamente no sector agrícola, por exemplo, também precisamos de fazer chegar os produtos às cidades, aos aeroportos, portos.

E são necessárias estradas, locais de armazenamento.

Os nossos programas estão a ajudar a identificar estes mercados em Angola e os pontos logísticos mais importantes. É uma abordagem mais integrada. Nos últimos dias, estivemos a discutir o sector das pescas, que por sua vez está interligado à logística comercial, qualidade de infra-estruturas, rede de frio, políticas públicas, alfândegas... É isto que estamos a tentar trazer, não queremos olhar para apenas uma componente, mas para as várias conexões que existem. E também para o sector privado: são estes que movem as economias, são eles que exportam para a RDC, que impulsionam os processos de certificação para aceder a mercados mais evoluídos. Então, o Governo tem de providenciar as instalações adequadas, os laboratórios para certificar os produtos, as infra-estruturas. Não vamos apenas olhar para as pescarias.

Em relação à falta de conexões com países vizinhos, em Angola parece que se olha com muita atenção para Portugal, Brasil. É uma mentalidade que ainda tem de mudar bem nos níveis intermédios da sociedade?

Eu diria que os parceiros tradicionais de Angola são do mesmo estilo dos maiores parceiros dos países africanos francófonos e também dos países anglófonos, provavelmente.

É ainda algo muito colonial-style?

Porque as pessoas estão familiarizadas umas com as outras. Depois não nos podemos esquecer que estes países desenvolveram processos, regras e leis parecidas, então, é mais fácil conectarem-se. O que eu costumo dizer é que África tem uma oportunidade com a ZCLCA, porque é isso que se está a fazer: a harmonizar regras, fronteiras, leis, políticas de investimento, a pensar em formas de melhorar as conexões por estrada e não só. Na minha opinião, é fundamental também permitir o livre movimento de pessoas, porque é necessário colocar os recursos humanos em movimento. Na UE é normal aparecer um médico espanhol a trabalhar na Alemanha. Neste momento, os recursos humanos estão a mover-se em África, mas apenas em termos individuais.

É um tema que tem merecido a sua atenção, já fez várias intervenções nesse sentido.

É mesmo muito importante. Nem todos os países dispõem das capacidades que necessitam para se desenvolver.

Nesta questão do livre movimento de pessoas em África, costuma dar como exemplo o Quénia e o Ruanda. Porquê?

O Ruanda decidiu que vai ser um hub tecnológico e financeiro e isto tem atraído quadros bem qualificados oriundos do Quénia. Penso que uma das questões chave é que o Governo precisa de ter uma visão clara do que pretende ser no futuro. Isto é fundamental. Se olhar para a Europa, todos os países têm as suas forças, Londres é um hub financeiro, na agricultura são fortes noutros lados. É preciso uma visão.

Os países africanos também podem se complementar entre si em vez de apenas competir?

Claro que sim, absolutamente, uma das questões essenciais da ZCLCA é que as importações não precisam de vir apenas de um país, podem vir de qualquer lado. Podes produzir smartphones aqui, enquanto outros países produzem o chip e outros fazem o embalamento. Isto é uma mentalidade que os países africanos precisam de desenvolver: é importante ter uma visão própria, mas também pensar em adicionar valor aos seus abundantes recursos naturais. Como sabe, África possui muitas matérias-primas, mas apenas exporta produtos não-acabados, quase sem adicionar valor.

Pensa que Angola já tem essa visão própria claramente definida?

Angola está num processo de definição dos sectores estratégicos, acho que Angola tem um potencial enorme. Uma das áreas já definidas e que está a ser olhada com mais atenção é as Pescas. Mas também a Agricultura. O País tem uma enorme costa atlântica e isto não é apenas uma visão sobre as pescas, é sobre a chamada Economia Azul. Mas a Economia Azul é maior que os transportes, pescarias, turismo. Estamos a falar de bioprocessamento, cosméticos, indústria farmacêutica.

A cadeia de valor associada aos mares e rios é enorme e valiosa?

Muito grande. A Economia Azul tem diferentes camadas e Angola é abençoada por ter esta enorme costa. Em alguns países, alugar um pedaço do oceano para desenvolver uma actividade económica custa mais do que alugar um pedaço de terra. Então, África precisa de olhar mais para os oceanos, não apenas para o peixe. Assim como a terra, os oceanos possuem inúmeros recursos. Mas temos de lhes prestar atenção.

Em que sentido?

Precisamos de olhar para o oceano, fazer um planeamemto adequado do espaço marinho e investir em instituições académicas capacitadas. Também devemos ajudar os empreendedores, não apenas travá-los. O governo tem de providenciar um ambiente positivo para o desenvolvimento da academia, isto é fundamental, é o primeiro passo.

Porquê?

Porque quando se decide desenvolver um determinado sector económico, a academia deve envolver-se com pesquisas sobre como fazer. Que depois são cedidas ao sector privado, que vai aplicar o que foi estudado. É aqui que devem surgir as políticas públicas para organizar o acesso ao financiamento e também desenvolver uma moldura funcional, que não prejudique as empresas. Pelo contrário, que permita florescer o investimento privado.

(Leia o artigo integral na edição 700 do Expansão, de sexta-feira, dia 11 de Novembro de 2022, em papel ou versão digital com pagamento em kwanzas. Saiba mais aqui)