Enquanto estiver aqui, "Os 150" vão se tornar grandes, porque a minha vida é pensar para eles
Com intenção de deixar um legado, o humorista fez das dificuldades sociais do País uma oportunidade para mudar o rumo de um grupo de crianças da sua comunidade. Sobre o humor em Angola, o artista defende que se precisa melhorar o conteúdo transmitido em palco.
É o mentor do projecto "Os 150". Como caracteriza o grupo?
É um grupo de actores infantis. Eles são actores comediantes, o humorista sou eu. O humorista é a pessoa que escreve textos com crítica social, textos inteligentes. Os comediantes é que interpretam os textos feitos por humoristas. Isso quer dizer que eles podem ser vistos a fazer dramas, tragédia e outros géneros, porque eles são actores. Vai depender de quem estiver a escrever para eles.
Como surge o projecto?
Surgiu com o objectivo de ocupar os meninos, para não caírem na delinquência. Eu vivo no São Pedro da Barra, que noutra hora fazia parte do município do Sambizanga, mas com a nova divisão administrativa está no município do Hoji-ya-henda, e lá tem muitas crianças com talento, mas que se vão perdendo. Percebei que vivo numa zona que me permite contribuir para o desenvolvimento do meu País com aquilo que sei. Sou actor e sou engenheiro informático, domino a área de audiovisual. Pensei, como humorista, posso ensinar as crianças como se representa. Vou filmar e editar. Esse é o contributo que tenho para dar à minha comunidade. Se eu tivesse mais, daria mais.
Perspectivou estar onde está hoje?
Ensino diversos conteúdos, eles estudam e aprendem. Tudo que eles interpretam para os outros, eles sabem o que é. Desenvolvi o projecto nas calmas, sem pensar que poderia ser o que é hoje. A ideia era só, eles têm que ser actores e bons, para que quando um dia estiver a se gravar grandes novelas a nível nacional e precisarem de actores infantis, não se vá buscar filhos de figuras públicas, mas sim de crianças que já fazem isso de base, que são Os 150.
Em que ano nasce o projecto?
Em 2020, na fase da Covid. Assistia ao filme Os 300, e como gosto muito de fazer sátira, então pensei, tanta criança sem fazer nada, porque não fazer sátira desse filme?! E, ao invés de ser Os 300, decidi fazer a metade. Fui à rua, chamei os meninos, expliquei-lhes o projecto e comecei a gravar. Assim nasceu Os 150. O primeiro vídeo fiz um escudo de papelão, e um pau de vassoura, como se fosse lança, tal como no filme original. Eles eram como os heróis, acontecia uma situação, eles iam defender. Com o tempo algumas coisas começaram apertar do meu lado. Tive que casar, então tive de parar com o projecto.
Mas regressou o ano passado...
Muitos pais começaram a pedir- -me para regressar com o projecto, porque muitas crianças entraram para o mundo da delinquência. E eu respondia que, trabalho para eles, mas também tenho de pensar a minha parte, porque estou a ficar mais prejudicado e a dar mais visibilidade aos meninos. No entanto, não parei, vou continuar. Só que estava sem condições. Porém, o ano passado comecei a trabalhar numa outra empresa, na área de audiovisual, deram-me um iPhone 14e então aproveitei o novo telemóvel para voltar a gravar os vídeos. Foi assim que o primeiro vídeo do nosso regresso, ano passado, foi no dia 16 de Junho, um vídeo que retrata a criança africana. Foi o primeiro vídeo que começou a viralizar. E ao voltar a gravar, mudei toda a temática, também queria mudar o nome, uma vez que o nome surge em função do filme, mas já era conhecido por algumas pessoas, por isso mantive-o.
Como escolhe os temas a ser abordados pelas crianças?
Os meus vídeos surgem consoante o que as pessoas estão a falar. Depois do primeiro vídeo decidimos retratar situações sociais. Aprendi que a piada é o terceiro elemento. Primeiro tem que ser o facto, a notícia. Se for facto e for notícia, põe-se uma piada. Como foi com o tema imigração, um tema mediático e decidimos trazer de forma cómica. Outra coisa também que notei é que nós em Angola, infelizmente, gostamos mais de nos divertir do que nos formar. Há países que há muita diversão, mas são países bem estruturados. Nós em Angola precisamos mais de formação do que de diversão. Então, como as pessoas gostam mais de se divertir do que se formar, pensei colocar a diversão com a formação. Quando a pessoa pensa que está se divertir, ao mesmo tempo, está a aprender. Tem sido assim o meu trabalho e, graças a Deus, está a ter algum resultado.
"A maka é o cambio" é o vídeo que mais vos deu visibilidade...
Sim, foi o quinto vídeo, depois do nosso regresso. É o vídeo que mais viralizou nas redes sociais. Só para se ter uma ideia, até o momento em que peguei o telefone para gravar, não sabia que tinha que falar a maka é o câmbio. Porque eu não escrevo o que os meninos têm que falar. Fizemos a gravação, na nossa inocência que o vídeo poderia viralizar. Porque falo sempre para os miúdos, até aquilo que demos muito "litro", muitas vezes não viraliza, por isso façam as coisas com amor. Façam como se fosse o último vídeo a fazer. Todos os dias é dia zero. Nós falamos assim. Dia zero, porque nunca fizemos nada, nunca viralizamos, nunca somos nada. Se metermos essa ideia na cabeça, todos os dias vamos acordar com a mesma fome de trabalho.
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